O Brasil é um país de dimensões continentais.
Quinto em extensão territorial e em população, tem a sétima economia do mundo, sendo que sua balança comercial circula primordialmente por seu sistema portuário. No entanto, apesar de seus mais de 7 mil km de costa marítima, o Brasil ainda não conta com a infraestrutura e logística necessárias para suprir suas demandas e expectativas de desenvolvimento industrial e do agronegócio.
No âmbito do sistema portuário, o crescimento econômico experimentado pelo Brasil a partir dos anos de 1990 exigiu reformas estruturais, implantadas por meio da Lei Federal n. 8630/1993 [1]. Esse marco regulatório representou significativas mudanças em relação ao status anterior. Porém, manteve o modelo “landlord port” de organização portuária (CNI, 2009, p. 14).
Dentre as alterações que estabeleceu, merecem destaque:
- As Companhias Docas, deixaram a condição de operadores portuários, para atuarem como autoridade e administração portuária. A operação portuária na área dos portos organizados passou a ser feita mediante arrendamentos, precedidos de processo licitatório;
- A criação dos Conselhos de Autoridade Portuária, com caráter deliberativo, compostos por quatro blocos: governo (federal, estadual e municipais), operadores portuários, trabalhadores portuários e usuários de serviços portuários e afins.
O processo de arrendamentos e os subsequentes investimentos feitos pela iniciativa privada, resultaram na modernização das instalações e relevantes ganhos de produtividade.
Atualmente, segundo dados da Secretaria de Portos da Presidência da República – SEP/PR [2], o complexo portuário brasileiro é composto por 35 portos públicos, que movimentaram, em 2013, 339 milhões de toneladas; e 128 terminais de uso privado (TUPs), destinados primordialmente à operação de carga própria, pelos quais passaram 593 milhões de toneladas, totalizando 931 milhões de toneladas de carga bruta, mais de 90% das exportações do país.
Dos 35 portos públicos (34 marítimos e 1 fluvial) sob gestão da SEP, 14 encontram-se delegados, concedidos ou têm sua operação autorizada aos governos estaduais e municipais. Os outros 23 marítimos são administrados diretamente pelas Companhias Docas, sociedades de economia mista, que têm como acionista majoritário o Governo Federal e, portanto, estão diretamente vinculadas à Secretaria de Portos.
(Fonte: https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional).
Portos Públicos Brasileiros. (Fonte: SEP) Disponível em: https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional
Terminais de Uso Privado – TUP. (Fonte: SEP) Disponível em: https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/sistema-portuario-nacional
No caso do Porto de Santos, o maior da América do Sul, responsável por aproximadamente 25% da balança comercial do Brasil, a movimentação de cargas, que em 1994 era de 34 milhões de t/ano, passou para 104,5 milhões t/ano, em 2012, sem ampliação significativa de área instalada.
O marco regulatório, em seu conceito e aplicação, embora com pendências e indefinições, fora eficaz.
Porto de Santos: Movimentação de Cargas em milhões de toneladas. (Fonte: CODESP)
Revitalização de áreas portuárias
A partir da promulgação dessa legislação também houve impulso no âmbito da revitalização de áreas portuárias desativadas.
É importante salientar que, em 1988, a nova Constituição Federal, conhecida como “Constituição Cidadã” [3], atribuiu às cidades a prerrogativa de definir usos e ocupações de solo. Assim, a conjunção dessas atribuições municipais com a participação dos governos locais nos Conselhos de Autoridade Portuária contribuíram para a melhoria da relação porto-cidade.
Vários projetos começaram a ser desenvolvidos em cidades brasileiras, com destaque para:
- “Estação das Docas”, em Belém, no Estado do Pará [4], já concluído;
- “Porto Maravilha”, na cidade do Rio de Janeiro [5], em andamento;
- “Projeto Porto Novo”, em Recife, no Estado de Pernambuco [6], em andamento;
- “Complexo Cais Mauá”, em Porto Alegre, no Estado do Rio Grande do Sul [7], em andamento;
- “Revitalização do Porto de Vitória”, em Vitória, no Estado do Espírito Santos [8], em estudo; e
- “Programa Porto Valongo Santos”, em Santos, no Estado de São Paulo [9], em estudo.
Estação das Docas – Belém/PA. Disponível em: https://mondobelem.wordpress.com/2008/12/22/estacao-das-docas
Porto Maravilha – Rio de Janeiro/RJ. Uma magem ilustrativa da Mobilidade Urbana. Disponível em: https://portomaravilha.com.br/materias/mobilidade-urbana/m-u.aspx.
Porto Novo – Recife/PE. Uma magem ilustrativa do Museu Luiz Gonzaga. (Fonte: Brasil Arquitetura)
Cais Mauá – Porto Alegre. Uma imagem ilustrativa. (Fonte: Fermím Vázquez e Arquitectos e Jaime Lerner Arquitetos Associados)
Revitalização do Porto de Vitória – Vitória/ES. Uma imagem Ilustrativa do Bloco Intermediário. (Fonte: CODESA)
Programa Porto Valongo Santos – Santos/SP. Uma imagem Ilustrativa. (Fonte: ARUP)
Outros foram executados com foco específico na realização da Copa de 2014, envolvendo terminais de cruzeiros marítimos.
Os projetos anteriormente listados incluem revitalização de áreas portuárias desativadas, a solução de gargalos logísticos dos portos, e a melhoria da mobilidade urbana.
Outra de suas características é que sua viabilização conta com parcerias público-privadas, que incluem: operações urbanas consorciadas, constituição de empresas com propósitos específicos e outros modelos.
Esse mútuo benefício propiciou a elaboração de planejamento conjunto entre autoridades portuárias e cidades.
O novo marco regulatório
Apesar dos planos nacionais de logística e da disponibilidade de recursos do Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, criado pelo Governo Federal, em 2007, com recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento – BNDES [10], as obras não aconteciam com a urgência requerida, por: falta de projetos, judicialização de certames licitatórios ou dificuldades na obtenção de licenciamentos.
Havia um clamor geral para que a Lei 8630 fosse totalmente implantada, e uma das expectativas era a regionalização dos portos.
Entretanto, a Lei Federal n. 12815/2013 [11] estabeleceu novo marco regulatório para o setor portuário brasileiro, centralizando as decisões do sistema em Brasília.
Em resumo, a nova legislação:
- Abriu a possibilidade de concessão de portos à iniciativa privada, para operação de cargas de terceiros;
- Permitiu que terminais de uso privado, instalações portuárias exploradas mediante autorização e localizadas fora da área do porto organizado, passassem a operar carga de terceiros;
- Retirou o caráter deliberativo dos Conselhos de Autoridade Portuária, limitando-os exclusivamente à função consultiva;
- Alterou os critérios para julgamento para licitações de concessões de portos ou arrendamento de áreas nos portos organizados, que passaram a ser, de forma isolada ou combinada: a maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital. Essas licitações ainda poderão ser realizadas na modalidade leilão;
- Na medida em que centralizou as decisões sobre o sistema portuário na SEP, as Companhias Docas, deixaram de cumprir a função de Autoridade Portuária, ficando restritas à condição de administradoras dos portos; e
- Ampliou a possibilidade de contratação de trabalhadores com vínculo empregatício na área do porto organizado.
No entanto, o novo marco regulatório pode ser prejudicado pelo risco de judicialização, posto que, em função dele, existirão terminais operando sob três regimes de contratação diferentes: antes, durante e depois da Lei 8630.
Também há a questão da distância mínima, não definida, entre dos portos concedidos à iniciativa privada e novos Terminais de Uso Privado, em relação os portos públicos. Há, ainda, aspectos relativos à utilização de mão de obras e taxas inerentes aos portos organizados. Se não houver equacionamento adequado, haverá desequilíbrio concorrencial, prejudicando portos públicos, que perderão competitividade, afetando a economia das cidades circunvizinhas.
Conclusão
O sistema portuário é imprescindível à expansão econômica do país.
Mas, é importante estar consciente de que os portos são uma parte da cadeia logística, que depende dos demais elos para ser eficiente. De nada adiantará expandir a capacidade estática e a produtividade dos terminais, se não houver acessibilidade adequada a eles, por meio de uma matriz de transportes de alta performance, com potencial para ampliação proporcional aos limites máximos viáveis técnica, econômica, ambiental e socialmente das instalações portuárias.
Os impactos ambientais negativos devem ser considerados, para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los. A legislação brasileira é das mais rigorosas, nesse sentido. Porém, é necessário que haja bom senso, de forma que a expansão econômica e seus benefícios sociais não sejam prejudicados. O crescimento sustentável deve conciliar todos esses interesses.
A convivência harmoniosa entre portos e cidades também é um dos objetivos as serem continuamente perseguidos e aprimorados. A regionalização dos portos públicos seria parte desse aprimoramento, pois, se a riqueza é gerada há quilômetros de distância, são as cidades portuárias que sofrem o impacto da acessibilidade inadequada e da poluição ambiental gerada por certos tipos de operações portuárias.
Consta que o Governo Federal teria adotado a centralização da gestão do complexo portuário nacional em Brasília, como forma de equalizar e dinamizar o processo de modernização dos portos. Desta forma, essa concentração seria por tempo limitado: o necessário para portos menos adiantados alçassem a um melhor estágio de adaptação e desenvolvimento. De fato, o Brasil necessita ampliar seu parque portuário, em capacidade e distribuição territorial. Se assim foi, o Porto de Santos, que antes da Lei 12815 vinha sendo o grande motor e laboratório desse processo, servindo de exemplo para os demais portos nacionais, foi prejudicado em seus processo evolutivo. Ao menos, que esse “freio” seja o mais efêmero possível, logo retomando, com crescente velocidade e estabilidade, o caminho do desenvolvimento, que inclui não apenas investimentos em tecnologia e produtividade, mas num modelo de governança que assegure confiabilidade ao sistema, e gestão profissional dos portos públicos.
Recursos financeiros existem e estão disponíveis. Prova disso é que recursos do BNDES tem sido aplicados até no exterior, caso do Porto de Mariel, em Cuba; e, potencialmente, de um superporto, no Uruguai.
Pois que esses recursos sejam aplicados com a brevidade, competência e responsabilidade necessárias, seja na expansão das instalações portuárias, seja na revitalização de áreas portuárias, também auxiliando na consolidação da identidade portuária da população.
O porto precisa da cidade, pois é nela que está situado e busca seus recursos humanos, entre outros. A cidade precisa do porto, pois ele é indubitavelmente fundamental à sua economia.
Pois que eles sejam como irmãos siameses, convivendo em harmonia, mutuamente conscientes de sua interdependência.
Notes
[1] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8630.htm
[2] https://www.portosdobrasil.gov.br/
[3] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[4] https://www.estacaodasdocas.com.br/
[5] https://www.portomaravilha.com.br/
[6] https://brasilarquitetura.com/projetos.php?mn=7&img=001&bg=img&mn2=138
[7] https://www.archdaily.com.br/br/01-2142/complexo-cais-maua-b720-fermim-vazquez-e-arquitectos-e-jaime-lerner-arquitetos-associados
[8] https://www.codesa.gov.br/site/Home/tabid/65/ctl/Details/mid/765/ItemID/1621/language/pt-BR/Default.aspx
[9] https://www.arup.com/Projects/Santos_Valongo_waterfront_regeneration.aspx
[10] https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Infraestrutura/pac.html
[11] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm
Referências
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Alderton, Patrick M. (2008), Port Management & Operations, eBook, Lloyd’s Practical Shipping Guides, 3th edn. Taylor and Francis.
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A dictionary of business and management (2009), 5th edn, Oxford University Press, Oxford.
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Australian Bureau of Statistics (2006), A picture of the nation: the statistician’s report on the 2006 census, cat. no. 2070.0, Australian Bureau of Statistics, Belconnen, ACT.
-
Badot, O. & Cova, B. (2008), “The myopia of new marketing panaceas: the case for rebuilding our discipline”, in Journal of Marketing Management, vol. 24, no. 1/2, pp. 205-219.
-
Burton, M., Nesiba, R. & Brown, B. (2010), An introduction to financial markets and institutions, 2nd edn, M.E. Sharpe, Armonk, NY.
-
Reforma portuária: o que falta fazer (2009), CNI, Brasília. Disponível em: https://www.cni.org.br/portal/data/files/00/8A9015D016F8981D0116F8C5BEDA730C/Reforma%20Portuaria.pdf. Acesso em: 14 de julho de 2014.
Head image: Uma vista da cidade de Santos. (© Sergio Furtado)