Grande parte das cidades costeiras e ribeirinhas brasileiras foram formadas e tiveram seu crescimento natural a partir de seus portos, que funcionaram como um instrumento indutor do crescimento urbano e da ocupação do território. Diante desse processo de formação, a relação estabelecida entre o porto e a cidade baseou-se nos vínculos espaciais e funcionais decorrentes do transporte e das atividades desenvolvidas.
Ao longo do tempo esta relação entre o porto e a cidade passou por inúmeras transformações que acabaram, pela ausência de mecanismos integrados de planejamento, por causar um distanciamento crescente na dinâmica entre eles. A região portuária voltada principalmente para o comércio nacional e internacional de mercadorias, sem haver integração com seu entorno apesar de sua localização estratégica e de seu imenso valor histórico e cultural, ficou, sob a ótica do desenvolvimento urbano, relegada a segundo plano. O fenômeno mundial comum em cidades onde o “planejamento urbano” está principalmente atrelado ao mercado imobiliário, ocorrido em diversas cidades brasileiras, condicionou e consolidou o desenvolvimento de novas centralidades, contribuindo, ainda mais, para o isolamento urbano da região do porto.
O porto, diante dos avanços e progressos tecnológicos, do aumento da produção e circulação de mercadorias decorrentes do comércio internacional, tem se tornado cada vez mais especializado e mecanizado, necessitando de áreas para infraestrutura de apoio, expansão e implantação de sistema viário com dimensão e forma adequadas para atender à demanda de circulação de caminhões. A cidade também cresce e continua a se transformar, expandindo seu território, adquirindo novas funções e criando novos centros de interesse.
Neste cenário, nas cidades portuárias brasileiras ainda se observa a oposição entre as atividades e os espaços, formando um ambiente de conflito entre o porto e a cidade, onde a falta de integração no planejamento, gestão e operação das políticas urbanas e das políticas portuárias causa impactos negativos na eficiência e produtividade urbana, na qualidade de vida da população local e nas atividades desenvolvidas pelo porto.
Dentre os impactos causados na cidade, que contribuem para a imagem negativa da região do porto, ainda perduram a existência de áreas e instalações abandonadas e degradadas; as ocupações irregulares dentro ou contígua à área do porto; a contaminação dos canais, bacias e estuários, derivada de efluentes industriais, domésticos e das atividades portuárias e; a presença maciça e constante do transporte de cargas compartilhada com o transito urbano, que gera saturação do sistema viário do município e conflitos, inclusive entre os modais ferroviário e rodoviário, nos acessos ao porto.
Apesar desses aspectos negativos decorrentes das operações desenvolvidas pelo porto, as receitas auferidas pela atividade portuária são vitais para a economia de muitas das cidades brasileiras. O dinamismo econômico vivido pelo porto e pela cidade demanda a redefinição do uso e da ocupação do espaço urbano de maneira que os portos possam se modernizar e se expandir e, ao mesmo tempo, contribuir para o desenvolvimento e a integração urbana com toda a cidade.
O caminho adotado para o enfrentamento da dicotomia na relação entre o porto e a cidade, baseia-se na busca da redução e mitigação das externalidades negativas provocadas pelas atividades portuárias e na adoção de princípios que integrem políticas urbanas e portuárias. Neste sentido, é grande a importância do papel da revitalização dos espaços sem atividades operacionais e dos ambientes urbanos em estado de degradação física e funcional, além da recaracterização da área portuária, integrando-se de forma harmônica com seu entorno.
Para tanto, torna-se necessário realizar um diagnóstico de todo o território envolvido, abrangendo o porto, a cidade e a região, considerando o papel do porto como fronteira (suas inúmeras decorrências e ameaças) e, sua relação e raio de influência com o município a qual pertence e com as diversas novas centralidades envolvidas.
Decorrente da recente legislação (Lei 12.815/2013), que caracteriza o atual marco regulatório para o setor portuário, foi rediscutido um novo paradigma para as cidades portuárias, a ser tratado em instrumento que regulamenta a exploração de áreas não operacionais para fins de revitalização. Este Instrumento, da Secretaria de Portos da Presidência da República – SEP/PR, define o conceito e o processo de revitalização portuária. A SEP/PR entende a Revitalização Portuária como a requalificação de áreas e instalações para a realização de atividades institucionais, culturais, sociais, recreativas ou comerciais. Este entendimento se materializa em dois tipos de ação, a readequação e a integração urbano-portuária, classificadas de acordo com a escala, a abrangência, o impacto urbano e o prazo de desenvolvimento e implantação do projeto.
O Projeto de Readequação é o projeto de revitalização de pequeno vulto e de curto prazo de elaboração e de implantação, dentro da área do porto organizado, que visa à intervenção isolada em áreas e instalações não operacionais para fins de revitalização.
Já o Projeto de Integração Urbano-Portuária é o projeto de revitalização, integrado com o Município, de grande vulto e longo prazo, que estabelece planos, programas e ações conjuntas, com a finalidade de promover melhorias na zona portuária, incluindo áreas do porto, seu entorno imediato e outras áreas urbanas.
No caso específico de projeto de Integração Urbano-Portuária, como vem sendo realizado em Santos entre outras cidades, entende-se a necessidade de formação de um grupo de trabalho composto no mínimo, por representantes da administração portuária e dos municípios envolvidos, podendo ainda incluir outros interessados, quando houver. Também, entende-se como importante a transparência, junto à comunidade local, do projeto e do processo de desenvolvimento da revitalização proposta.
Valongo, Santos/SP. Proposta de projeto de revitalização.
Vitória/ES. Proposta de projeto de revitalização (armazéns 1 e 2), terminal de transporte coletivo de passageiros.
As questões relativas à revitalização portuária envolvem a harmonização de interesses de um grande número de segmentos e de políticas públicas. Esta ação demanda um esforço de compatibilização de políticas, planos e ações dos diversos atores municipais, estaduais e federais, buscando a maior integração do porto com a área urbana, desenvolvimento normativo e intersetorial, aperfeiçoamento da gestão, e apoio ao município na promoção do desenvolvimento urbano sustentável e no próprio desenvolvimento portuário.
Esses conceitos foram desenvolvidos com base na projeção do desenvolvimento da cidade portuária do futuro, que é multifacetada, com o porto sendo consolidado como parte integrante do seu território, dialogando com as novas vocações da cidade e suas centralidades, as mudanças na mobilidade e no padrão de trabalho e demais conseqüências dos fenômenos globalizantes. Portanto, os diversos atores envolvidos devem promover ações conjuntas que estimulem e imprimam a revitalização de áreas portuárias, buscando a interação com programas e atividades urbanas, de modo a produzir espaços sustentáveis e com qualidade de vida, que sejam integrados de forma articulada e que mantenham diálogo constante entre o porto e a cidade que o contém.
Dessa forma, o novo paradigma se concentra na revitalização e no desenvolvimento urbano sustentável, na redução de impactos recíprocos entre o porto e a cidade, no limite da expansão portuária que leve em conta o custo das externalidades negativas no meio urbano; no acesso e na infraestrutura planejada do porto, minimizando ruptura de espaços com a cidade.
A revitalização sustentável se realiza a partir da ocupação de vazios urbanos e da reutilização de antigas zonas industriais e áreas portuárias, gerando outras funções para a cidade. Também se realiza com a requalificação de áreas, com a intensificação e a mistura de usos e na ocupação do solo, promovendo a geração de uma área social, cultural e economicamente dinâmica, com acessibilidade e integração com as demais centralidades urbanas. Nesse contexto, o papel da revitalização de áreas portuárias não operacionais possibilita a geração de novas funções e usos para a cidade.
Portanto, os aspectos essenciais para o sucesso da revitalização portuária e da integração harmônica entre o porto e sua cidade se desenvolvem na realização de um planejamento estratégico, no respeito à memória coletiva, ao patrimônio e ao contexto preexistente (físico-espacial e sociocultural), nos processos colaborativos entre os grupos envolvidos, como as instâncias de governo, os investidores, o empresariado, os cidadãos-usuários e a comunidade em geral, além do mix de ocupação da área, com a presença de âncoras econômicas (exemplo: terminais de passageiros) e equipamentos emblemáticos, e a atenção ao poder de imagens, da qualidade e da adequação urbanística e ambiental dos projetos.
Recife/PE. Terminal de passageiros, parte do projeto de revitalização do centro.
Fortaleza/CE. Terminal de passageiros, parte do projeto de revitalização e requalificação do entorno do Mucuripe.
Salvador/BA. Terminal de passageiros, âncora do projeto de revitalização do bairro do comércio.
Head image: Salvador/BA. Terminal de passageiros, âncora do projeto de revitalização do bairro do comércio.