Aspectos históricos do Porto de Santos e sua Logística

31 Luglio, 2014

Desde o século XVI, a cidade e o porto de Santos, no litoral de São Paulo, foram fundamentais para o desenvolvimento da região, em função dos ciclos econômicos pelos quais passou o país. Para exercer esse papel estratégico no transporte de carga do interior ao litoral, e vice versa, era imprescindível vencer a ”muralha” de mais de 700 metros de altitude que separa o litoral do planalto e que foi sempre o grande desafio: a Serra do Mar.

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Pintura Benedicto Calixto. Trapiche no Porto de Santos. Embarcações à Vela Porto de Santos. Disponível em: https://www.panoramio.com/photo/28934835

Caminhos indígenas e rotas de tropeiros, em terra e pedra, permitiram que entre São Paulo e Santos circulassem açúcar bruto, toucinho, aguardente de cana, sal, vinhos portugueses, vidros, ferragens, etc. O crescimento do fluxo de mercadorias e cargas determinou que os próprios comerciantes financiassem as melhorias de alguns trechos da serra.

Essas iniciativas precederam a principal estrutura logística que promoveu o efetivo desenvolvimento econômico do Porto de Santos e do Estado de São Paulo: a estrada de ferro construída entre 1860 e 1867, pela São Paulo Railway Co. Ltd. (SPR), empresa privada. Túneis e viadutos alinhavaram os tecidos do planalto e da baixada, e se constituíram na infraestrutura logística necessária à redução dos custos e viabilização do ciclo econômico que transformou a realidade brasileira de então, até o início do século XX.

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Trecho da Serra da SP Railway. Cartão postal no acervo do professor e pesquisador santista Francisco Carballa. (Fonte: Novo Milênio)
Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102n.htm

Ferrovia e Porto Organizado

A infraestrutura ferroviária desenvolve a região e fomenta o desenvolvimento urbano, onde a atividade comercial cresce em torno das estações de trem. A inauguração da SPR constituiu-se não só em marco para a exportação de café no país, mas como início de um processo que se alastrou pelo interior paulista. Na década de 1870, as estradas de ferro: Mogiana, Ituana, Sorocabana e Paulista foram implantadas e permitiram que o café fosse escoado para exportação. Essa mudança na logística regional foi determinante para a primeira modernização do Porto de Santos.

O transporte das mercadorias que chegavam à cidade pela ferrovia era feito por meio de carroças que levavam aos trapiches ou aos pontões dispostos ao longo da praia, que compunham o então desorganizado porto de Santos. Em 1886, abriu-se a concorrência pública para construção do porto organizado e, em 1888, foi assinado o contrato público com o grupo de empreendedores.

O porto teve sua obra iniciada em 1890 e o primeiro o trecho da muralha do novo cais linear foi usado pela primeira vez em 1892. O porto começava a mudar a face da cidade e a composição de suas forças políticas delimitava seu território, excluindo parte dos comerciantes locais de sua exploração.

A Companhia Docas de Santos, empresa constituída para administrar as instalações portuárias, avançava e consolidava-se, e o porto necessitava se adaptar às novas condicionantes do comércio internacional, onde a rapidez na carga e descarga precisava ser considerada, exigindo a implantação do sistema de geração de energia elétrica, no início do século XX.

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Distribución Centro de Santos na década de 1920. Cartão postal do acervo de Laire Giraud.
Disponível em: https://www.portogente.com.br/arquivos/id_15584_r5.jpg

Nesse momento, Santos já era o maior centro exportador de café do mundo e uma das mais importantes praças bancárias do país, vivendo um acelerado processo de urbanização, que transformou a sociedade local e a paisagem da cidade. Uma grande massa de trabalhadores, principalmente imigrantes portugueses e espanhóis, atraídos pelo mercado de trabalho promissor, formou a classe laboral local e um forte movimento operário. Também nesse momento, uma elite intelectual constituiu a nascente classe média, composta por médicos, engenheiros e professores, atraídos pelo excedente financeiro que circulava na cidade.

O crescente movimento levou a Companhia Docas de Santos a estabelecer planos de expansão significativos do porto. Em 1945, o porto organizado já dispunha de 5.213,91 m de cais de atracação; quase 300 mil metros quadrados de armazéns; além de tanques para líquidos e silos para granel.

O Sistema Rodoviário

Ao final da Segunda Grande Guerra, o movimento portuário cresceu. Isso, aliado a uma deficiente infraestrutura viária, gerou congestionamentos que levaram a imprensa da capital a colocar o porto de Santos como obstáculo ao desenvolvimento do estado. Em 1947, foi inaugurada a Via Anchieta, a maior obra do sistema rodoviário nacional da época, ligando São Paulo a Santos. Essa ligação rodoviária, além de favorecer o transporte de mercadorias para o porto, permitiu a consolidação do turismo como alternativa econômica para a cidade. Em pouco tempo, o transporte rodoviário passa a ser predominante. Em 1957, teve início o processo de estatização das ferrovias, com a criação da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA.

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Via Anchieta, década de 1950. Cartão Postal do acervo de Laire Giraud.
Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/03.031/723

A segunda metade da década de 1950 correspondeu também à entrada definitiva do Brasil no ciclo econômico industrial, e Santos entra neste novo ciclo em consequência do processo de industrialização da região do ABC (cidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, limítrofes a capital) e da instalação da Refinaria de Petróleo (Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão), seguida de seus agregados (indústria petroquímica) e da Companhia Siderúrgica Paulista, também em Cubatão, no início dos anos de 1960.

Em 1968, o cais santista já possuía 7.034 m de extensão, dando início a uma convivência com a cidade cada vez mais difícil, pelo “estrangulamento” do desenvolvimento físico de ambos, um pelo outro. O porto também tornou-se estatal, criando-se a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP.

Em 1974, foi inaugurada a pista ascendente da Rodovia dos Imigrantes, fundamental para auxiliar a saturada Rodovia Anchieta no transporte de cargas entre o porto e a maior metrópole brasileira. Nessa época, cabia à gestão pública a responsabilidade pelo caos ferroviário, modal que estava meramente limitado a sobreposição de problemas pura e exclusivamente decorrentes de interesses comerciais, associados a demandas cativas de cargas, definidas como prioridades operacionais absolutas do setor, sem visão econômica e estratégica sustentável para a logística nacional.

Novos espaços portuários agregaram soluções ao transporte marítimo, pois o comércio exterior mundial era beneficiado por novas tecnologias, com ênfase na multimodalidade. No porto de Santos, o primeiro terminal de contêineres, na margem esquerda de seu estuário, teve sua construção iniciada em 1977 e concluída em 1981. No entanto, os gargalos logísticos no âmbito da acessibilidade às instalações portuárias continuavam a dominar o cenário.

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Distribución Rodovia dos Imigrantes. Pistas ascendente e descendente.
Disponível em: https://www.ecovias.com.br/Content/Sustentabilidade/MediaGallery/Img/Photo/
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No setor rodoviário, o projeto para construção da pista descendente da Rodovia dos Imigrantes, de 1986, teve alterações exigidas pelas novas posturas ambientais. Afinal, a obra agora estava inserida no Parque Estadual da Serra do Mar, uma reserva da Mata Atlântica reconhecida pela UNESCO. Assim como aconteceu com a ferrovia, no século XIX, ou a Via Anchieta, nos anos de 1940, em 1998, engenharia e alta tecnologia de materiais permitiram que uma série de túneis e viadutos ligassem a hinterlândia ao porto. Porém, desta vez a carga ficou excluída deste percurso.

Logística e Porto, hoje

Nos anos de 1990, os sistemas de comunicação e a internacionalização que ocorrem no cenário econômico mundial exigiram um rápido processo de modernização, o qual presume competitividade, visando uma redução de custos logísticos, aumento da movimentação de cargas e melhoria da qualidade dos serviços portuários. A transformação nas instalações precisava atender ao aumento das dimensões dos navios, do movimento e características das cargas, sua estocagem e operação cada vez mais rápida e eficiente.

A partir da promulgação da Lei 8.630/1993, marco regulatório do sistema portuário nacional, o processo de reestruturação do porto de Santos retirou a CODESP da atividade operacional, passando esta a exercer o papel de Autoridade Portuária, implantou-se o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO – retirando dos sindicatos a prerrogativa da escala da mão de obra, e transferiram-se as operações portuárias para cerca de 150 empresas privadas.

Também nos anos de 1990, teve início o processo de privatização da malha ferroviária brasileira, reduzida em dois terços, e, no ano 2000, as concessionárias Ferroban – Ferrovias Bandeirantes S/A e Ferronorte – Ferrovias Norte Brasil S/A arrendaram da CODESP a malha ferroviária do porto de Santos, constituindo a Portofer Transporte Ferroviário Ltda. que, em Santos, atende 19 terminais portuários.

A partir da Lei 12.815/2013, marco regulatório que substituiu o instrumento legal anterior, vislumbra-se um novo cenário de espaço físico, com o adensamento e expansão do porto, que poderá favorecer melhorias no sistema de transporte, por meio de controle de desempenho por ramal ferroviário operado e integração da logística nacional, principalmente nas proximidades de sua hinterlândia.

É necessário observar a dinâmica do comportamento dos modais terrestres, por meio de novas tecnologias eletrônicas, para minimizar o impacto na cadeia de suprimentos, no sentido de “despoluir” a rede logística e reduzir congestionamentos, segregar manchas de conflitos urbanos de modais e explorar horários de menor conflito na transposição da Região Metropolitana da Baixada Santista, onde o porto se situa.

Neste sentido, uma ferramenta importante é a utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), que podem contribuir de forma significativa para a estruturação de um banco de dados para compor um Modelo Nacional de Transportes a ser definido, com a incorporação de políticas públicas para novos investimentos, para portos públicos e privados ao país.

Outro fator importante é a redução do custo socioambiental da movimentação de cargas. Os custos sociais são formados por seis componentes, transformáveis em objetivos organizacionais (Santos e Aguiar, 2001, p.195): contribuição para a economia regional, estadual e nacional; eficiência de operação (incluindo congestionamento de tráfego); segurança viária; impacto ambiental; custos comunitários (especialmente o custo de construção e manutenção viárias); forma urbana.

Com este enfoque Ogawa (2004) propõe trocar um modal com alta emissão de CO2 na atmosfera, como o transporte rodoviário, por um transporte ecoeficiente, que agrida menos o meio ambiente, como o transporte por trens e navios, caminhando em direção à sustentabilidade. Claro que a grande dificuldade de adaptação de tecnologias ás necessidades ambientais, está na cultura de administração de riscos por parte das empresas que não compartilham esta percepção de ecoeficiência, para nortear as decisões ambientais, em busca de melhores opções para mobilidade urbana.

Enfim, o modelo a ser desenvolvido, com maior participação de ferrovias, deve necessariamente integrar a região por meio de uma logística sustentável, que garanta o desenvolvimento da multimodalidade e de uma nova cultura organizacional, ampliando a capacidade e produtividade do porto de Santos sem descuidar de questões ambientais ou prejudicar a qualidade de vida nas cidades que o sediam, aprimorando a relação porto-cidade.

Notes

[1] A Baixada Santista foi criada em 1996 e é formada pelos municípios de Santos, São Vicente, Guarujá, Bertioga, Cubatão, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe.

 

Referências

  • Braga M. E.; Contribuição Metodológica para Estruturação de um Modelo Nacional de Transportes para o Brasil com Ênfase no Desenvolvimento [Rio de Janeiro] 2008 IX , 298 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, D.Sc., Engenharia de Transportes, 2008) Tese – Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE.

  • Brasil (1996); Regulamento dos Transportes Ferroviários – Decreto n. 1832 – 04/03/1996.

  • Gonçalves A., Nunes L. A. P.; O Grande Porto – A modernização no Porto de Santos. Santos: Realejo, 2008.

  • Gonçalves A.; Lutas e Sonhos – Cultura Política e Hegemonia Progressista em Santos – 1945-1962. Santos: Prefeitura Municipal de Santos; São Paulo: Editora Unesp, 1995.

  • Gonçalves A.; Desenvolvimento econômico da Baixada Santista. Santos: Ed. Universitária Leopoldianum, 2006.

  • Howard A. L., Serva J.; O Porto de Santos e a história do Brasil. São Paulo: Neotropica, 2010.

  • Lanna A. L. D.; Uma cidade na transição. Santos: 1870 – 1913. Santos: Hucitec, Prefeitura Municipal de Santos, 1996.

  • Ogawa K.; Modal Shift: A Key Component of Japan’s Response to Global Warming. In ClassNK Magazine, Tokyo, n. 56, p.6-9, 2004.

  • Santos R. E. dos.; O bonde e suas histórias – Uma memória coletiva da cidade de Santos. In. Transporte coletivo em Santos – História e Regeneração. Santos: Prodesan, 1987.

  • Santos E. C., Aguiar E. M.; Transporte de cargas em áreas urbanas. In: Caixeta-Filho J. V., Martins R. S.; Gestão Logística do Transporte de Cargas. São Paulo: Atlas, 2001. p. 182-209.


Head image: Desenho de Hércules Florence que permite ver no horizonte a Baixada Santista e, em primeiro plano, a Calçada do Lorena. (Fonte: Novo Milênio)
Disponível em: https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0102z20.htm


Article reference for citation:
Nunez Luiz Antonio de Paula, Soares Washington Luiz Pereira, Gonçalves Alcindo Fernandes,“Aspectos históricos do Porto de Santos e sua Logística”, PORTUS: the online magazine of RETE, n.28, October 2014, Year XIV, Venice, RETE Publisher, ISSN 2282-5789 URL: https://portusonline.org/aspectos-historicos-do-porto-de-santos-e-sua-logistica/

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