O Brasil vem de estabelecer as bases de um novo modelo portuário: A Lei n. 12.815 [1], promulgada há um ano, revogou e substituiu a Lei n. 8.630 (“Lei dos Portos”) que vigeu durante vinte anos [2] e balizou reformas significativas nos portos brasileiros nesse período.
A nova lei, que altera significativamente a governança do setor, resultou do projeto governamental apresentado através de “Medida Provisória” [3]; no caso a MP n. 595 [4] que teve sua “urgência” e “relevância”, constitucionalmente exigidas, fundamentadas no enfrentamento e solução da trilogia: gargalos logísticos, custos elevados e baixos investimentos.
Retrospectiva Histórica
Chama atenção que o diagnóstico e os objetivos enunciados para o estabelecimento do novo modelo e do novo marco regulatório foram similares àqueles que impulsionaram as mobilizações, tramitação e aprovação da “Lei dos Portos” [2] há duas décadas; no rastro do movimento “Diretas-Já” [5], da promulgação de uma nova Constituição (a “Constituição-Cidadã”) [6] e das primeiras eleições presidenciais diretas desde a década de 1960.
De igual forma fundamentou, três décadas antes, a reorganização do setor através da Lei n. 4.213 [7]: “criação de sociedades de economia mista… para substituir administradoras ineficientes”; o “Novo Regime Econômico e Financeiro dos Portos”; o “Estatuto dos Portuários”; e a Companhia brasileira de Dragagem (CBD). Assim como levou o Presidente Juscelino Kubitschek a criar, em 1958, o “Fundo Portuário Nacional – FPN” [8] “destinado a prover recursos para melhoramento dos portos e das vias navegáveis do País”, e a instituir a “Taxa de Melhoramento dos Portos” – TMP.
Um pouco antes, no pós-II Guerra, em 1945, visando responder desafios semelhantes, foi instituída a “Taxa de Emergência” pelo Decreto n. 8.311 [9] objetivando o “melhoramento e reaparelhamento dos portos organizados”. Em 1934, Getúlio Vargas já havia criado o “Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis” – DNPVN e baixado quatro longevos decretos, que só viriam a ser revogados pela “Lei dos Portos”, 60 anos depois: Decreto n. 24.447 [10] definindo “portos organizados”, “administração do porto” e “instalações portuárias”; Decreto n. 24.508 [11] os serviços prestados pelas Administrações Portuárias e o “modelo tarifário”; Decreto n. 24.511 [12] a “utilização das instalações portuárias”; e o Decreto n. 24.599 [13] estabelecendo novas bases para a “concessão dos portos”.
No início do Século-XX criou-se a “Caixa Especial de Portos” (1903), financiadora de investimentos no setor. No Império, a “Lei das Docas” (D. Pedro-II, 1860) visava viabilizar nossas primeiras concessões que, na verdade, foram concebidas já por D. Pedro-I, em 1828 (“Regime de Concessão” portuária como “instrumento visando ao desenvolvimento do setor”). Aquela lei resultou no “Regime de Arrendamento”, em 1886, que previa a construção e implantação de infraestruturas pelo poder público, arrendadas a empresas privadas. Desses arranjos institucionais resultaram a licitação (1886/8) da concessão do Porto de Santos: contrato firmado com a companhia Docas de Santos – CDS [14], em 1892. Registre-se: Uma “Sociedade de Propósito Específico” – SPE; isso, há 130 anos!
Em síntese, ao longo dos últimos duzentos anos o Brasil diversificou sua economia (inicialmente meramente agrícola, para incluir setores industriais e de serviços); interiorizou a ocupação do território (essencialmente costeira quando da chegada da Família Real no alvorecer do Século XIX); aboliu a escravatura e passou do império à república (convivendo com uma democracia sincopada). A população é atualmente quase cinquenta vezes maior [15] e a economia, entre as mais dinâmicas do planeta na maior parte do período, cresceu, em média, 3,71% entre 1820-2012 [16]: 110 vezes só ao longo do Século XX.
O setor portuário, seja para acompanhar, seja para viabilizar essa transformação, passou por sucessivas reformas. Curiosamente, com diagnósticos e objetivos similares a cada passo: Enfrentar gargalos logísticos, viabilizar investimentos e reduzir custos; como também visa o novo modelo e a nova governança. E, também, lançando mão de instrumentos congêneres e, muitas vezes, cíclicos: Ora com maior envolvimento do setor público, ora incentivando a participação do setor privado; ora gerando “fundos” públicos para financiar os investimentos, ora incentivando investimentos de risco capitaneados por empresas privadas; ora descentralizando o processo decisório, ora centralizando-o.
O ciclo recente de reformas portuárias
Para alguns tudo começou com a “Lei dos Portos” [2], de 1993. Ela dividiria a história – como Cristo: Antes e depois dela!
Certamente essa é uma visão simplificada: Olhando-se o setor em perspectiva, pode-se observar diversas ações e inúmeros fatos ao longo das décadas anteriores; cada um como uma peça de um processo reformador. Tal processo, é importante destacar, tem sido em muito referenciado pelas “reformas portuárias” mundialmente em curso; mais acentuadamente desde o final da II Guerra Mundial para dar respostas ao descolamento das curvas de crescimento do PIB, comércio exterior e movimentação portuária.
Índices internacionais de PIB.
Assim, historicamente, seria mais adequado ver-se a “Lei dos Portos” como resultado de mudanças que vinham ocorrendo, no mundo e já no Brasil, a partir da virada dos anos 1950/60. Mas, inexorável e dialeticamente, mitigada pelos mencionados elementos conjunturais da virada 1980/90, como impulsionadora dos passos reformadores seguintes.
De forma esquemática, é possível arrolar-se alguns marcos considerados referenciais desse processo; organizados por fase/períodos.
OBS: Não há preocupação com rigor científico; objetivando-se, apenas, fornecer uma visão geral do processo. Os períodos têm duração variável, estabelecidos pelo autor pela natureza, significado e relevância para as transformações ocorridas.
1º fase (pré-60)
Além dos registrados anteriormente, mereceria destaque o “Plano Portuário Nacional”, concluído em 1959. Era uma espécie de plano diretor a balizar o desenvolvimento do setor nos anos seguintes; como também o que propõem ser o “Plano Nacional de Logística e Transportes – PNLT”, “Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP”, e “Planos Mestres” dos diversos portos.
2º fase (1960/75)
Além da reorganização do setor mencionada (1963) são autorizados e implantados alguns “Terminais de Uso Privativo – TUP” (“privados”, pela nova Lei) fora do que hoje são os “portos organizados”. Tal possibilidade significou o rompimento das “zonas de jurisdição”, heranças das Capitanias Hereditárias. Tubarão-ES é provavelmente o grande ícone desse período.
Sintônico com a onda estatista e centralizadora do período militar, foi criada a PORTOBRAS (1975) para ser a “holding” do sistema portuário nacional; assumindo muitos dos papéis até então desempenhados pelo DNPVN.
Portos Brasileiros: histórico institucional (ALP).
3º fase (1975/93)
Proliferam-se TUPs, agora também dentro do que viriam a ser os “portos organizados”. São privatizadas atividades acessórias; assinados inúmeros “Contratos Operacionais” e “Contratos Operacionais com Arrendamento de Área” (os “Pré-93”, conforme caracterizados durante a tramitação congressual da nova Lei); criado o “Adicional de Tarifa Portuária – ATP” para financiar investimentos; implantados “terminais retroportuários alfandegados – TRA”. A PORTOBRAS é extinta em 1990. Passam a funcionar os “Conselhos de Usuários” (precursores dos “Conselhos de Autoridade Portuária – CAP”).
Assim, curiosamente, mesmo ainda durante o período militar, enquanto o Brasil avançava na “redemocratização”, a iniciativa privada e a sociedade civil ganhavam espaço nos portos e nos seus processos decisórios.
Mas as “reformas portuárias” precisavam transpor os muros portuários e chegar à beira do cais: Após longa e dura tramitação, foi promulgada a “Lei dos Portos”, Lei n. 8.630 (25/FEV/1993) [2]; recentemente revogada, após vinte anos balizando as “reformas portuárias” brasileiras.
O modelo por ela desenhado, em muito inspirado pelo “landlordismo” [17], se assentava em quatro pilares: des-monopolização (ou concorrência); des-estatização (ou privatização); multifuncionalização (da mão-de-obra) e des-centralização (do processo decisório).
4º fase (93/95)
Em 1993 foram realizadas mais de meia centena de reuniões tripartites (governo-trabalhadores-empresários) para negociar a implementação da nova Lei. Durante algum tempo, até 1995, muitos diziam “a Lei não vai pegar”. Mas, foi nesse período que se institucionalizaram os “portos organizados” e definidas suas “poligonais”. Foram constituídos os CAPs e “órgãos de gestão de mão de obra – OGMO”; aprovados os “Regulamento de Exploração” de cada porto e as respectivas “Norma de Pré-Qualificação de Operadores”.
Ou seja, um período de preparação; de assentamento das novas bases institucionais e normativas, que culminou com a assinatura, em Santos, do primeiro Contrato de Arrendamento sob a nova Lei.
5º fase (95/98)
As reformas, enfim, tornavam-se mais visíveis e concretas para a comunidade portuária e para a sociedade, em geral: A maioria dos portos passou a contar com “Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ” e novas Estruturas Tarifárias (em muito compatíveis com o novo modelo). Também passou a poder funcionar “24 horas/dia, 7 dias/semana”, com turnos de 6 horas para os “Trabalhadores Portuários Avulsos – TPA” (com horários sincronizados entre capatazia e estiva). As operações portuárias foram transferidas a operadores privados; toda mão de obra avulsa foi recenseada; a capatazia indenizada e transferida ao gerenciamento dos OGMOs; e as Docas ajustaram seus quadros através de “Plano de Desligamento Incentivado – PDI”. Foi implantado o “trânsito aduaneiro simplificado – DTAS” e extinta a ATP.
As normas ISO-9 e 14.000 chegaram aos portos; e licenciamento e compensações ambientais (antecedendo exigências do “Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA”), passaram a ser utilizadas na implantação de novos terminais. Também audiências públicas começaram a ser adotadas nos processos licitatórios e em discussões de normas e projetos; enquanto a internet, ainda nascente, de forma pioneira, foi adotada como instrumento de divulgação e para troca de informações nas licitações públicas.
Durante esse curto período foi assinada a maior parte dos contratos de arrendamento hoje existentes (que ficaram conhecidos, durante a tramitação da nova Lei, como os “Pós-93”) e arrendada a maioria das áreas dos “portos organizados”. Certamente o ícone do período foi o leilão do TECON/Santos, em SET/1997.
No conjunto, a efetivação de tais medidas viabilizou a maior parte dos pesados investimentos em mecanização, automação e ampliação da infraestrutura hoje operacional; e, com isso, um escalar na capacidade instalada e da movimentação do setor portuário brasileiro:
As filas para atracação foram praticamente eliminadas, produzindo-se fenômeno inverso: berços ociosos! A eficiência cresceu exponencialmente, medida através de qualquer indicador (navio, berço, terno, equipamento): 5, 10 15 ou mais vezes. Os custos foram drasticamente reduzidos, seja no cais (de forma mais significativa – entre 50% e 2/3), seja para o dono da carga (em menor escala). A movimentação anual passou a experimentar taxas de crescimento elevadas em todos os tipos de cargas; triplicando ao longo dessas 2 décadas. A carga geral na cabotagem, revertendo tendência das décadas anteriores, iniciou seu vigoroso processo de crescimento.
“Boom” de comércio exterior após a Lei dos Portos de 1993.
O processo de arrendamentos, todavia, veio a ser redirecionado: Com base na Lei n. 9.491 [18] as Companhias Docas foram incluídas no “Programa Nacional de Desestatização – PND” (excluídas em 26/MAR/2008).
Também nesse período foi criado o “Grupo Executivo para Modernização dos Portos – GEMPO” [19]; descontinuado em 2002 tendo se dedicado, essencialmente, a questões trabalhistas [20]. Também foi instituído o “Programa de Harmonização das Atividades dos Agentes de Autoridade nos Portos – PROHAGE” [21] [22]e sancionada, depois de longa tramitação, a “Lei do Operador de Transporte Multimodal – OTM” [23].
6º fase (1998/2002)
Após período efervescente (95/98), caracterizado pela concretização de inúmeras iniciativas transformadoras, em diversas frentes, as reformas perderam impulso nessa fase. Nela promoveu-se uma parcial re-institucionalização e de reorganização do setor; com características de uma transição e inflexão: Dos pilares do modelo que vinha sendo implementado para o início de uma paulatina recentralização do processo decisório portuário.
Na linha do que vinha ocorrendo em diversos outros setores de infraestrutura e de serviços públicos, foi criada, em 2001 (efetivo início de atividades em 2002) uma agência para regular o setor; a “Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ”. Pela mesma Lei [24] foram ainda criados o “Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT”, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT”, e o “Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT”.
7º fase (2002/07)
Colateralmente foram promulgadas duas novas leis que merecem destaque: A que criou o “Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO” [25] e a lei regulando as parcerias público-privadas “Lei das PPPs” [26].
Após longa discussão, e alterações de última hora em relação ao que vinha sendo discutido, o CONAMA baixou a Resolução nº 344 [27] em 2004. Tida e apontada como um dos entraves para realização de dragagens nos portos brasileiros, ela veio a ser substituída pela Resolução CONAMA n. 454 [28], oito anos depois, com expectativa de imprimir maior objetividade, previsibilidade, celeridade e segurança jurídica a tais licenciamentos.
A competência e atribuições sobre portos foram desmembradas e transferidas do Ministério dos Transportes à “Secretaria de Portos” (com status de ministério) em 2007 [29]. Foi lançado o primeiro “Plano Nacional de Logística e Transportes – PNLT” [30]; revisto em 2011 [31]. Também instituído o “Programa Nacional de Dragagem – PND” [32]; reformulado pela nova “Lei dos Portos”: Introduziu o modelo de “dragagem por resultado”, e visava dragar cerca de 73 milhões m3, envolvendo investimentos de cerca de R$ 1,6 bilhão [33].
8º fase (2007/10)
Período essencialmente normativo: Em 2008 foi editado o Decreto n. 6.413 [34], retirando as Companhias Docas do PND para “agilizar a licitação da exploração de terminais pela iniciativa privada”. Também o Decreto n. 6.620 [35], concebido para “solucionar o conflito entre carga própria e carga de terceiros”. Na verdade, ele acabou sendo bem mais abrangente, envolvendo aspectos organizativos e normatizando diversos processos decisórios. Em linhas gerais, avançando e formalizando práticas de re-centralização do processo decisório que já vinham sendo adotadas; seja na Secretaria (SEP), seja na ANTAQ. Foi tal sua abrangência que alguns questionavam sua legalidade, pois o caracterizaram como “uma nova lei dos portos”.
Em 2009 foi, finalmente, concluída a elaboração do “Plano Geral de Outorgas” [36], atribuição dada à ANTAQ pela lei que a criou [24], em 2001. Apresentado à SEP que, àquela altura, tinha passado a ter competência por sua aprovação, ela o aprovou “em caráter transitório”, dando prazo de 15 meses para a ANTAQ revisá-lo nos diversos aspectos questionados. Também foi editada a Portaria SEP n. 414 [37] para definir normas detalhadas para elaboração dos “Plano de Desenvolvimento e Zoneamento – PDZ” dos portos.
Por sua extensão e significado sobre os processos decisórios do setor portuário (particularmente arrendamentos), inclusive com orientações à própria SEP e e ANTAQ, merecem registros os acórdãos do TCU n. 1.904 e 2.896 [38]; resultantes de “auditoria operacional” realizado em 19 portos, entre 2008/09.
9º fase (2010/13)
O contínuo crescimento da corrente de comércio exterior brasileira e o aumento das movimentações portuárias aguçavam e tornavam mais evidentes, e mais uma vez, gargalos em diversos portos e cadeias logísticas País afora. Os investimentos vinham encontrando crescentes dificuldades para serem efetivados, dentro e fora dos “portos organizados”. Da mesma forma a realização de licitações: Durante a tramitação da nova Lei foi informado que, na última década, haviam sido apenas realizados apenas 11 arrendamentos!
Ante um diagnóstico de que tais dificuldades decorriam da governança vigente a opção adotada foi rever-se o modelo. O caminho escolhido a revogação da “Lei dos Portos” [2]. E isso através de Medida Provisória; de vigência imediata: Em 6/DEZ/2012, após vários meses de grande expectativa no setor, foi baixada a Medida Provisória n. 595 [4]; anunciada [39] como “Programa de Investimentos em Logística para Portos”, em concorrida solenidade no Palácio do Planalto.
Após longa e tensa tramitação ela foi aprovada, transformando-se na Lei n. 12.815 [1]; posteriormente regulamentada pelo Decreto n. 8.033/13 [40].
Sem ter sido oficialmente divulgado, salvo um sumário executivo [41] durante a tramitação da nova Lei, tomou-se conhecimento do “Plano Nacional de Logística Portuária – PNLP” que vinha sendo elaborado há alguns anos. Atualmente, encontra-se em processo de revisão [42].
Governança do setor portuário brasileiro
Quem é CEO de um porto? A primeira ideia que ocorre é que este é o presidente da respectiva Administração Portuária, no seu papel no “Autoridade Portuária”. A resposta não é simples; mas, talvez, a melhor seria: Inexiste!
Como descrever, então, a governança em um porto; um porto brasileiro, mais especificamente?
A resposta tampouco é simples! Facilita, porem, adotar-se como ponto de partida a caracterização de um porto como uma “PPP implícita”. Ou seja, um ambiente onde atuam diversos agentes públicos (autoridades) e privados (operadores, sindicatos, arrendatários, prestadores de serviços, etc.); de forma bastante autônoma, inclusive a quase dezena de autoridades. Estas estão na linha hierárquica de ministérios diferentes; têm corpos próprios de leis e normas; que são, em geral, referenciadas a capítulos diferentes da Constituição Federal.
Autoridades e Agentes Atuantes em um Porto do Brasil.
Uma primeira tentativa para tentar articular tais autoridades foi o PROHAGE, criado por Portaria Ministerial em NOV/97 [21] e [22], envolvendo 9 ministérios: Marinha, Saúde, Justiça, Fazenda, Agricultura, Transportes, Desenvolvimento, Indústria e comércio e Orçamento e Gestão. Essa tentativa foi retomada dentro do novo arranjo institucional/organizacional, agora através do “Comissão Nacional das Autoridades nos Portos – CONAPORTOS” [43], criado em paralelo com a MP.
No que tange aos órgãos com atribuições portuárias, especificamente, esse arranjo envolve uma empresa nem sempre arrolada na governança do setor. Isso certamente por ter sido criada por lei paralela [44]: A “Empresa de Planejamento e Logística”; uma ampliação do escopo da “Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade – ETAV”, com o objetivo de integrar o planejamento logístico no País.
Especificamente balizado pela Lei n. 12.815 [1] e as normas baixadas em paralelo com a MP, o arranjo envolve dois outros órgãos colegiados além do CONAPORTOS:
- “Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT” [45] [46], criado em 2001 [24], para integrar as políticas de transporte (diversos modos + diversos níveis de governo); foi regulamentado sete anos depois, mas pouco havia atuado.
- “Comissão Nacional de Praticagem – CNP” [47].
Vale observar, em contrapartida, que um órgãos colegiado, com muitas atribuições e atuação significativa durante a vigência da antiga “Lei dos Portos”, o CAP, pelo novo arranjo, passou a ter função apenas consultiva.
Finalmente, em termos executivos, o novo arranjo prevê dois órgãos: Um Ministério, a Secretaria de Portos – SEP [48], e uma agência reguladora, a ANTAQ [49]:
À SEP (no papel de poder concedente – art. 1, § único do Decreto) compete: Definir as diretrizes para arrendamentos (art. 6, § 3 e art. 16-I da Lei); autorizar expansão de área já arrendada (§ 6); avaliar (para aceitar ou não) os pleitos para instalações privadas (art. 12); celebrar contratos de concessão, arrendamentos e de adesão (art. 16-II), estes de TUPs e outras instalações privadas (art. 8); estabelecer normas para pré-qualificação de operadores portuários (art. 16-IV); implantar o PND (art. 53); decidir pela prorrogação (ou não) dos contratos de arrendamento vigentes, assim como pela antecipação (ou não) das prorrogações (art. 57); aprovar a transferência de controle acionário de outorgados (art. 2, IV do Decreto); aprovar investimentos não previstos nas outorgas (V); aprovar EVTEAs (VI).
À ANTAQ: Elaborar os editais (art. 6, § 3 da Lei); e realizar os processos licitatórios para concessões e arrendamentos (§ 2); autorizar, em caráter excepcional, a utilização (por 3°) de instalações arrendadas – TUPs e outras instalações privadas (art. 7 e 13); adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimentos de outorgados (art. 8, § 3); aplicar de penalidades por infrações à lei, regulamento e contratos (art. 17, § 1, XI, e 50); adaptar os contratos de TUPs e outras instalações privadas (art. 58 e 59); revisar e reajustar tarifas (pela nova redação da Lei n. 10.233/01 – art. 71); fiscalizar as administrações portuárias (idem).
Ou seja, pelo novo modelo, quase todas as funções estratégicas passaram a estar centralizadas na SEP e ANTAQ. Às administrações portuárias cabem, agora, duas dezenas de funções de natureza essencialmente executiva/administrativa (art. 17 a 19, e 25 da Lei); sempre dentro de normas estabelecidas pelo poder concedente (SEP) ou das demais autoridades, e balizadas em contratos de gestão com a SEP (art. 64). P.ex: Arrecadar tarifas, estabelecer horário de funcionamento do porto, autorizar entrada/saída de navios e movimentação de cargas, pré-qualificar operadores, organizar a guarda portuária, fiscalizar operações e obras (para instrução de processos administrativos da ANTAQ), manter balizamento, divulgar calado, sinalizar fluxo de mercadorias, entre outras.
Ou seja: A análise da governança do setor portuário brasileiro envolve, inicialmente, a análise das competências e atuações desses 6 organizações; 3 colegiados e 3 órgãos executivos. A partir daí, as interfaces com as demais “autoridades” com instâncias com forte influência no processo decisório do setor; como o TCU, mencionado anteriormente, órgãos licenciadores (ambiental, particularmente) e Ministério Público. Também, por ser usual a prática da “judicialização” de processos administrativos, não deve ser desconsiderada a atuação da Justiça.
Em síntese; uma governança multilateral ou, talvez, uma “Autoridade Portuária Nacional”, centrada na SEP e na ANTAQ; mas com a participação de diversas outras autoridades e instâncias colegiadas.
Lei 12.815/13: Estrutura organizacional do setor portuário brasileiro. (Fonte: Antaq)
Considerações Finais
O modelo dominante no cenário portuário mundial é o denominado “landlord port”; consolidado nos últimos 7 séculos, particularmente pelas reformas portuárias em curso na últimas décadas. Modelo, é fácil perceber, bastante distinto do brasileiro, balizado pela nova “Lei dos Portos”.
Funcionará? Apesar da singularidade, não há um impedimento genético para tanto; apesar de ainda ser cedo para se avaliar!
Condição sine qua non para tanto, todavia, é que o novo modelo seja assumido “de armas e bagagens”. Uma esquizofrenia decisória (um esperando pelo outro, o outro pelo um…) é a maior ameaça ao sucesso do novo modelo.
Dito de outra forma: O processo decisório precisa ser previsível (desejável se considerasse, também, os órgãos-meios: licenciamento, fiscalização, regulação e controle). Também responsabilidades precisam ser meridianamente atribuídas e cobradas. Como nos ensina a sabedoria popular, “onde muitos mandam, ninguém manda!”
Além disso, SEP e ANTAQ precisam ter capacidade instalada para bem executar seus novos poderes e atribuições; que não são poucos! No mínimo para balizar e bem gerenciar seus consultores contratados: Centralização sem capacidade de implementação é outra ameaça.
Às administrações Portuárias resta entender seu novo papel de uma unidade administrativa dessa “Autoridade Portuária Nacional”; e passar a atuar dentro dele: Outro risco seria elas seguirem se comportando e agindo como se autoridades portuárias “landlordista” fossem!
O modelo está esboçado. Resta colocá-lo efetivamente em prática. Sua singularidade indica que isso demandará um enorme esforço e tremenda habilidade.
Notes
[1] Lei n. 12.815, de 5/JUN/2013 (Nova “Lei dos Portos”):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm
[2] Lei n. 8.630, de 25/FEV/1993 (Antiga “Lei dos Portos”):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8630.htm
[3] Medida Provisória: “A Medida Provisória (MP) é uma norma legislativa adotada
pelo presidente da República que, pela sua definição, deve ser editada somente
em casos de relevância e urgência. A MP começa a vigorar imediatamente após
sua edição, mas, para virar lei, precisa ser aprovada pelo Congresso”.
(Portal do Senado Federal: https://www12.senado.gov.br/noticias/entenda-oassunto/medida-provisoria-1).
[4] MP n. 595, de 6/DEZ/2012:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Mpv/595.htm
[5] “Diretas-Já”:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Diretas_Já
[6] Constituição Federal:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[7] Lei n. 4.213, de 14/FEV/1963 (Reorganização do setor):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4213.htm
[8] Lei n. 3.421, de 10/JUL/1958 (FPN e TMP):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3421.htm
[9] Decreto n. 8.311, de 6/DEZ/1945:
https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:federal:decreto.lei:1945-12-06;8311
[10] Decreto n. 24.447, de 22/JUN/1934:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D24447.htm
[11] Decreto n. 24.508, de 29/JUN/1934:
[12] Decreto n. 24.511, de 29/JUN/1934:
[13] Decreto n. 24.599:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D24599.htm
[14] Companhia Docas de Santos – CDS:
https://www.docas.com.br/interna_01_form.html
[15] População brasileira:
https://www.colegioweb.com.br/trabalhosescolares/geografia/populacao/crescimento-da-populacao.html
https://ideias.wikidot.com/modelo-de-evolucao-da-populacao-no-brasil-colonial
[16] Evolução do PIB:
[17] Banco Mundial – “Port Reform Toolkit”:
https://wwwwds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2004/08/17/00
0160016_20040817173222/Rendered/PDF/297970PAPER00182131504613.pd
[18] Lei n. 9.491:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9491.htm
[19] Decreto n. 1.467 (GEMPO):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1995/d1467.htm
[20] GEMPO – Sinopse:
https://www.mar.mil.br/segempo/
[21] Portaria Interministerial CCPR/MAER/MF/MT/MA/MTb/MS/MICT/MPO n. 11 (PROHAGE):
https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=181644
[22] PROHAGE – Sinopse:
https://www.mar.mil.br/segempo/prohage.htm
[23] Lei n. 9.611 (OTM):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9611.htm
[24] Lei n. 10.233:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10233.htm
[25] Lei n. 11.033 (REPORTO):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11033.htm
[26] Lei n. 11.079 (PPP):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l11079.htm
[27] Resolução CONAMA n. 344 (Dragagem):
https://www.mma.gov.br/port/conama/res/res04/res34404.xml
[28] Resolução CONAMA n. 454 (Dragagem):
https://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=693
[29] Lei n. 11.518 (SEP):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/L11518.htm
[30] PNLT – Relatório Executivo (2007):
https://www.transportes.gov.br/conteudo/3280
[31] PNLT – Relatório Executivo (2011):
https://www.transportes.gov.br/conteudo/69407
[32] Lei n 11.610 (PND – Dragagem):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Lei/L11610.htm
[33] Dragagem (sinopse):
https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pn
[34] Decreto n. 6.413:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6413.htm
[35] Decreto n. 6.620:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6620.htm
[36] PGO:
https://www.antaq.gov.br/portal/Portos_PGO.asp
[37] Portaria SEP n. 414 (PDZ):
https://www.portodesantos.com.br/geral_documentos/reps/sep/SEP%20Portaria%20414-2009.pdf
[38] Acórdãos TCU:
https://judocAcord2009120421-253-2008-2-MIN-WAR-2.rtf
[39] “Programa de Investimentos em Logística para Portos” – anúncio:
https://www.youtube.com/watch?v=QPWX0_3hcaU
[40] Decreto n. 8.033 (Regulamentação nova “Lei dos Portos”):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Decreto/D8033.htm
[41] PNLP – Sumário Executivo:
https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl/arquivos/pnlp-sumario-executivo.jpg/view
[42] PNLP – Revisão:
https://www.portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/pnpl
[43] Decreto n. 7.861 (CONAPORTOS):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7861.htm
[44] Lei n. 12.743 (EPL):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12743.htm
[45] Decreto n. 6.550 (CONIT):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6550.htm
[46] CONIT – Sinopse:
https://www.transportes.gov.br/conteudo/52599
[48] Decreto n. 7.860 (“Comissão da Praticagem”):
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Decreto/D7860.htm
[48] Secretaria de Portos – SEP:
https://www.portosdobrasil.gov.br
[49] ANTAQ:
Head image: Porto de Santos: o maior porto do Brasil.