O porto marítimo de Aveiro, encontra-se integrado nas cidades da Gafanha da Nazaré e de Aveiro, contíguo à Ria de Aveiro, próximo da orla marítima. A sua localização estratégica, no centro-litoral do território de Portugal, no litoral da Península Ibérica e na área territorial sul da Europa, constituiu uma vantagem para uma otimização futura do planeamento territorial portuário e das cidades envolventes, com o objetivo do desenvolvimento socioeconómico deste território.
Entre os elementos identitários do porto de Aveiro destacam-se a Ria de Aveiro, os canais aquáticos e as edificações que pertenceram à atividade marítima do porto primitivo.
Contextualização histórica e socioeconómica da evolução do porto primitivo de Aveiro entre o século XVIII e XXI
Planta da localização do porto de Aveiro e região envolvente, Plano Diretor Municipal de Aveiro. (Fonte: Auzelle, 1964)
Em onze de abril de 1759, Aveiro foi elevada a cidade. No âmbito da renovação da cidade, foi construído o “edifício da Alfândega” em 1794. O canal Central estabelecia a ligação entre a cidade de Aveiro e a laguna e o mar. Os canais da cidade constituem ainda hoje um elemento de grande importância para Aveiro, tendo sido um elemento decisivo para a organização morfológica da cidade (nomeadamente ao longo do percurso navegável de acesso a Aveiro) e tendo contribuído para o desenvolvimento de atividades económicas impulsionadas pelos cidadãos que residiam na envolvente dos canais.
Os canais eram limpos periodicamente, dado que a higiene e salubridade da cidade, dependia da limpeza dos mesmos. Até ao ano de 1780, os canais integravam o grande esteiro, o canal das Pirâmides e o canal de S. João. A partir dessa época, foi aumentada a largura do esteiro de Sá e aberto o canal de S. Roque, pelo que a cidade de Aveiro ficou limitada a noroeste pelo canal de S. Roque, e as marinhas de sal ficaram isoladas da cidade. O cais dos Mercantéis passou a ligar o canal de S. Roque ao mercado do peixe.
A Barra de Aveiro tinha também uma grande influência no quotidiano da cidade de Aveiro, dado que o estado físico da mesma contribuía para o bom e mau funcionamento da navegação, pelo que o mesmo afetava as atividades socioeconómicas de Aveiro e das zonas envolventes. Aveiro era assim um centro distribuidor de mercadorias. A Ria permitia a navegabilidade das embarcações, apesar de existirem zonas onde não era possível a navegação devido à reduzida profundidade dos canais da Ria. Na época, existiam dificuldades de acessibilidade da navegação, devido ao inconstante movimento das areias e dos ventos. No século XIX, devido à obstrução do acesso marítimo à cidade, foram feitas as obras de execução da Barra de Aveiro.
Uma das obras mais importantes do início do século XIX, foi a abertura da Barra de Aveiro. Com a obstrução constante dos canais de navegação, as exigências crescentes do comércio internacional e a cidade frequentemente inundada pela água do mar, tornou-se necessária a abertura da Barra e a criação do porto comercial. Entre 1802 e 1808 registou-se um período empreendedor, onde surgiu a ordem de abertura da Barra de Aveiro, não só por necessidades comerciais como também militares (Amorim, 1996, p. 531).
Em março de 1802, o projeto foi enviado e aprovado pelo estado português e iniciaram-se as obras da construção da Barra (ver próxima figura).
Barra de entrada de Aveiro, século XIX. (Fonte: APA, 2011)
Em três de abril de 1808, foi aberta a Barra, contribuindo para a redução de entrada do nível das águas na cidade, por forma a serem evitadas as inundações que existiram nas na Praça de Aveiro e no Bairro do Alboi (Gomes, 1877, p.142).
O património portuário existente no porto de Aveiro e nas cidades de Aveiro e da Gafanha da Nazaré
O Patrimonio edificado
Muitas das construções iniciais associadas ao funcionamento da Barra e do porto mantém-se ainda hoje, mantendo funções semelhantes ou, nalguns casos, tendo sido reconvertidas para outras funções. O antigo Forte da Barra de Aveiro, que funcionou durante os séculos XVIII e XIX como torre de controle da entrada e saída de embarcações na Barra de Aveiro que ancoravam no porto primitivo existente na cidade de Aveiro, está atualmente afeto à “estação de radio-telecomunicações” do porto de Aveiro (ver próxima figura).
Forte da Barra de Aveiro, século XIX. (Fonte: APA, 2011)
Estação de radio-telecomunicações do porto de Aveiro, século XXI. (Fonte: Lídia Matias, 2019)
Ainda na segunda metade do século XIX, decorreram novas intervenções no âmbito da otimização da navegação, pelo que foi construído um molhe provisório na margem esquerda do rio Vouga, a construção do farol e a reparação dos esteiros (Arroteia, 1999, p. 59). Houve então uma otimização do comércio marítimo, uma implementação das atividades agrícolas e uma fixação das pessoas que contribuíam para o desenvolvimento da economia local.
A torre e o farol da Barra construídos no século XIX para servir de orientação das embarcações que se aproximavam da entrada da Barra de Aveiro mantem-se preservada, continuando a desempenhar a mesma função, mas contempla também funções culturais, funcionando como núcleo de visitas educativas e do público em geral (ver próxima figura).
Construção do farol da Barra. (Fonte: APA, 2011)
Farol da Barra, século XXI. (Fonte: Lídia Matias, 2019)
Para além do crescimento comercial, observou-se também o desenvolvimento industrial com a implantação de novas unidades industriais na cidade, nomeadamente na área de S. Roque (ver próxima figura).
Na época, foi construído um ramal ferroviário que assegurava a ligação entre a estação de Aveiro e o cais das Pirâmides e permitia o transporte de mercadorias para os armazéns e fábricas existentes. Mais tarde, esta ligação desapareceu com a mudança do cais para a Gafanha da Nazaré (Arroteia, 1999, p.69).
No século XVIII e XIX, o porto primitivo encontrava-se implantado no canal de S. Roque, onde existiam diversos armazéns de sal e de outros produtos, provenientes da área geográfica envolvente (ver próxima figura).
Com o tempo, alguns dos armazéns existentes no atual canal de S. Roque e antigo porto primitivo de Aveiro, tornaram-se devolutos, quer por via da obsolescência das atividades que neles se desenvolviam, quer por via da transferência das atividades para outros locais, pelo que foram alvo de processo de regeneração urbana. Assistiu-se então à reabilitação dos edifícios e à reconversão das suas funções, destacando-se atualmente as funções associadas à restauração e uma academia de bailado clássico (ver próximas figuras).
No entanto, outros armazéns mantêm ainda com a mesma funcionalidade existente na época do porto primitivo de Aveiro, nomeadamente, os armazéns de sal (ver figuras a seguir).
Antigos armazéns de sal do Porto primitivo de Aveiro reconvertidos respectivamente em restaurante (à esquerda) e academia de bailado (à direita), canal S. Roque, século XXI. (Fonte: Lídia Matias, 2019)
Antigos armazéns de sal do Porto primitivo de Aveiro, foram preservados como armazéns de sal, canal S. Roque, século XXI. (Fonte: Lídia Matias, 2019)
Oscanais navegáveis – elementos funcionais do património construído
O porto de Aveiro pré-existente desde o século XVIII, funcionou a partir de uma rede de canais aquáticos que fazem parte do património portuário e da cidade de Aveiro. A Ria de Aveiro expande-se através da rede de canais, proliferando entre ilhas, marinhas de sal e espaço urbano.
Assim, os canais aquáticos fazem parte atualmente do traçado urbano de Aveiro e surgiram no âmbito da evolução da morfologia urbana e das transformações que a cidade atravessou durante vários séculos. O século XIX foi ainda uma das épocas de maior transformação morfológica do espaço urbano, durante foram elaborados os arranjos urbanos contíguos aos canais de São Roque e dos Botirões como foi feita a reconstrução do canal Central no final do século XIX.
Os canais aquáticos existentes na cidade de Aveiro, tiveram no passado a funcionalidade de asseguar a acessibilidade das embarcações entre o mar e o porto primitivo existente na cidade de Aveiro, e atualmente fazem parte do uso cultural e turístico por parte dos barcos moliceiros que navegam nos diversos canais. O canal dos Botirões que está ligado ao canal de S.Roque, teve a funcionalidade de garantir a acessibilidade das embarcações de carga para o fornecimento da cidade de Aveiro e da região envolvente, desde o século XVIII. Atualmente, o mesmo canal é usado pelas embarcações tradicionais “barco moliceiro” para o uso cultural e turístico.
O canal das Pirâmides é usado como ancoradouro de barcos turísticos e de recreio, como também é utilizado como ancoradouro para embarcações com uso para a restauração (ver próxima figura).
O canal dos Botirões e o canal das Pirâmides, integram atualmente do roteiro turístico e cultural da cidade de Aveiro, enquanto elementos de património cultural.
No século XX, a malha urbana de Aveiro passou por várias alterações morfológicas em consequência das alterações promovidas no século XIX para além do desenvolvimento da cidade após a construção da Barra. No ano de 1903, foi levantada a proibição de construção e de armamento de navios para a pesca do bacalhau, o que contribuiu para a retoma do comércio de longo curso e da pesca em alto mar (Arroteia,1999, p. 70). E a reativação das atividades económicas, nomeadamente, a pesca, a salicultura, a construção naval e a apanha do moliço.
Aveiro sofreu ainda transformações no traçado urbano como resultado da alteração do traçado do canal do Côjo em 1935, pelo que foram demolidos edifícios cuja localização era incompatível com a abertura da avenida Dr. Lourenço Peixinho.
Canais aquáticos de Aveiro, século XXI. (Fonte: Elaborado sobre cartografia da CMA, 2017)
A deslocação do Porto de Aveiro para jusante foi acompanhada pela transferencia das atividades maritimo portuárias tendo-se assistido à diminuição da atividade portuária em Aveiro e ao seu crescimento na Gafanha da Nazaré e em Ílhavo, o que justificou a reconversão funcional de alguns edificios outrora afetos às atividades maritimas ou portuárias. O edifício da Capitania do Porto de Aveiro, integrava ainda a casa do capitão de Porto e manteve-se na propriedade da JAPA com a mesma funcionalidade até finais da década de 1990.
Desde finais dos anos 90, a antiga capitania do Porto de Aveiro passou da propriedade da JAPA para a Câmara Municipal de Aveiro, pelo que o edifício foi reabilitado e passou a ter nova funcionalidade diferente da anteriormente existente aquando da propriedade da Junta Autónoma do Porto de Aveiro (atualmente denominada Administração do Porto de Aveiro – APA). Assim, o antigo edifíco da Capitania do Porto de Aveiro, tem atualmente diversos usos, nomeadamente um auditório para conferências, uma galeria municipal e integra ainda a sede da Assembleia Municipal da Câmara Municipal de Aveiro (ver próximas figuras).
Construção do cais junto à Capitania do Porto de Aveiro em 1958. (Fonte: Imagoteca municipal, 2012)
Antiga Capitania do Porto de Aveiro com a funcionalidade de galeria e auditório municipal. (Fonte: Lídia Matias, 2019)
Referências
Amorim, I. (1996), Aveiro e a sua Provedoria no século XVIII (1690-1814), Coimbra, Comissão de
Coordenação da Região Centro.
Arroteia, J. C. (1999), Aveiro: aspectos geográficos e do desenvolvimento urbano, Aveiro, Universidade de Aveiro.
Gomes, M. (1877), O Districto de Aveiro. Noticia geographica, estatística, chorographica, heráldica,
archeologica, histórica e biographica da Cidade de Aveiro e de todas as villas e freguezias do seu
districto, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra.
Head Image: Porto primitivo de Aveiro, canal S. Roque, século XIX. (Fonte: Imagoteca municipal, 2012)