Porto Maravilha: revitalização, sustentabilidade e preservação do patrimônio

29 Luglio, 2014

Mauá / quanta coisa bonita ouvi contar / e a gente acredita / guarda no samba a lembrança / Prainha, no mar navegar / porto de toda esperança / futuro é sonhar”

A letra do samba “O que passou e o que virá”, do bloco carnavalesco Escravos da Mauá, simboliza o paradoxo da Região Portuária carioca: de um lado, o passado histórico, motivo de orgulho. De outro, a expectativa de um futuro melhor por anos adiado que sempre fez parte do imaginário dos moradores. Mais que isso, de qualquer carioca apaixonado por sua cidade.

Entender a importância desses dois aspectos é fundamental à revitalização do Porto do Rio de Janeiro. Endereço do maior ponto de comércio de escravos fora da África no início do século XIX, berço do samba e concentração de prédios históricos da cidade, a região mergulhou em processo de degradação a partir dos anos 60. A mudança do modus operandi da atividade portuária, deixando de depender dos grandes armazéns e passando a operar basicamente com contêineres, e a instalação do Elevado da Perimetral transformaram os bairros em área de passagem. O deslocamento do porto para a região do Caju fez com que os diversos armazéns que antes traziam desenvolvimento se tornassem enormes vazios urbanos.

A ideia de revitalizar a Região Portuária do Rio de Janeiro não é nova. Nos anos 80, a empresa responsável pelo porto, a Companhia Docas do Rio de Janeiro, já desenhava um projeto de revitalização. Os motivos são óbvios: localização estratégica, importância histórica ímpar e necessidade de novo uso desse vazio produzido pelo processo econômico da cidade. Em 2009, a Prefeitura do Rio de Janeiro aprovou conjunto de leis que criou a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto, conhecida como Porto Maravilha.

Modelagem financeira

A engenharia financeira que garantiu o investimento de R$ 8 bilhões no prazo de 15 anos em obras e serviços públicos municipais é instrumento previsto na Lei Federal nº 10.257 (Estatuto das Cidades) para a recuperação de áreas degradadas. Por meio da Lei Complementar nº 101/2009, a Prefeitura do Rio criou a Operação Urbana Consorciada da Região do Porto do Rio de Janeiro – área de 5 milhões de metros quadrados que engloba integralmente os bairros Saúde, Gamboa e Santo Cristo e parcialmente Centro, Caju, São Cristóvão e Cidade Nova. A Lei Municipal Complementar nº 101/2009 autoriza o aumento do potencial construtivo na região, ou seja, estabelece novos limites para construção de edifícios na região, com exceção das áreas de preservação, de patrimônio cultural e arquitetônico e prédios destinados ao serviço público. Interessados em investir em novos empreendimentos deverão comprar Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs), títulos emitidos pela prefeitura que autorizam a edificação de acordo com a área construída. Por lei, todo o valor arrecadado com a venda dos Cepacs será obrigatoriamente aplicado na melhoria da infraestrutura urbana, em serviços e em obras na região. Assim, o que custeia essa operação é o Cepac.

A operação urbana permite que a cidade retome uma área histórica e culturalmente importante sob nova configuração urbana, adensamento populacional em áreas que combinam habitação de interesse social a preservação de imóveis e desenvolvimento econômico e social. Como consequência, espera-se que a arrecadação de IPTU e ISS, normalmente baixa em áreas degradadas, aumente e milhares de oportunidades de emprego e negócios sejam criadas.

Rio_01_CEPAC

Como funcionam os Cepacs?

Mobilidade urbana

O Porto Maravilha muda radicalmente o conceito de mobilidade urbana na experiência da Região Portuária. O modelo atual, baseado no transporte individual, já se mostrou inviável. Engarrafamentos, tempo perdido e poluição são alguns dos problemas gerados por essa opção. O objetivo da operação urbana é colocar nas pessoas o foco que hoje está nos carros e oferecer um transporte público de qualidade com os diversos modais integrados entre si.

Rio_02_Perimetral

A remoção de quase cinco quilômetros do Viaduto da Perimetral abre passagem para a criação de um novo calçadão, ciclovias e áreas de convivência numa das mais importantes áreas da cidade.

O Elevado da Perimetral foi inaugurado em meados dos anos 1970, época em que grandes viadutos surgiam como estratégia viária nas principais cidades no mundo. Naquela época, o transporte individual tinha primazia. O viaduto seria a solução para a ligação entre as principais vias da Região Metropolitana que chegam ao Caju pelo Viaduto do Gasômetro e Aterro do Flamengo para melhorar os acessos ao Centro. No entanto, no fim dos anos 1980, a via já se mostrava saturada com congestionamentos diários nos horários de pico – cada vez maiores – e desde então não cumpre com eficiência a função para a qual foi construída.

Segundo atualização do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) do Porto Maravilha, concluído em junho de 2013, o tráfego médio diário nos dois sentidos do viaduto é de 76.664 carros por dia. Para operar dentro dos padrões ambientais desejáveis, o limite seria de 58.000 veículos por dia. A demolição do Elevado da Perimetral ultrapassa razões estéticas por ser o principal motivo da degradação e esvaziamento da área. Com a remoção, a cidade abre caminho à reintegração dessa região e ao resgate do patrimônio histórico, assim como amplia a perspectiva de qualidade de vida da população.

Rio_03_VLT

Parte da nova mobilidade urbana, o VLT – Veículo Leve sobre Trilhos integrará diferentes modais de transporte na região.

 

A introdução do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) resgata conceito de integração que não se vê desde os anos 50, quando o Rio de Janeiro exibia uma malha de bondes bastante eficiente, mas que foi desaparecendo ao longo do tempo. Conectando a Região Portuária ao centro financeiro da cidade, à Rodoviária Novo Rio, às barcas e à Central do Brasil, trens, ônibus, BRTs, Aeroporto Santos Dumont e Teleférico da Providência, ajudará a racionalizar a quantidade de ônibus na área do Centro. Silencioso e não poluente, o serviço terá capacidade de transportar até 285 mil passageiros por dia por 42 paradas distribuídas em seis linhas. O sistema funcionará sem catenárias (fios suspensos), não interferindo na paisagem.

Infraestrutura

Grande parte da infraestrutura da região tem mais de 100 anos e foi construída para um porto, não para uma cidade. Revitalizar a área passa necessariamente pela requalificação de toda a rede de água, luz, esgoto, drenagem e telecomunicações. O projeto prevê a instalação de 66 quilômetros de drenagem, 85 Km de esgoto, 120 Km de água, 26 Km de gás e novas redes elétricas e de telecomunicações (que será substituída por fibra ótica). As mudanças têm o objetivo de atender ao adensamento populacional previsto para os próximos 30 anos.

Sustentabilidade

O Porto Maravilha leva em conta conceitos de sustentabilidade crescentes no mundo. Determinados por legislação, os novos edifícios devem fazer uso de painéis solares, telhados verdes ou reflexivos e do reaproveitamento de água. O material de demolição da Perimetral é reutilizado nas obras da cidade. Somados ao aumento da cobertura verde de 3% para 11% e à adoção do VLT, as medidas reduzem as emissões de carbono e a poluição sonora de forma sensível.

Patrimônio

A Região Portuária guarda muito da história do Rio de Janeiro. Uma caminhada por suas ruas é suficiente para confirmar a riqueza dos patrimônios material e imaterial. Longe de apagar essa memória, como aconteceu em vários lugares, a ideia é trazê-la à luz como um dos grandes elementos que confere atratividade a essa região. Obras de grandes arquitetos, trapiches redescobertos, representações da cultura afro-brasileira, palacetes, sobrados, construções que remontam do século XVI ao início do século XX e galpões ferroviários integram a diversidade que conta a história da cidade e do País. O processo de transformação traz o desafio de promover mudanças que beneficiem moradores e frequentadores e, ao mesmo tempo, preservar sua identidade cultural e arquitetônica. Essa proposta não fica no discurso. A lei que instituiu o Porto Maravilha (Lei Complementar nº 101/2009) determina a aplicação de pelo menos 3% dos recursos arrecadados com Cepacs na recuperação e valorização desse patrimônio e no fomento à atividade cultural.

Desafio

O grande desafio de conduzir um projeto desse tamanho é fazer isso na porta de entrada da cidade, mexendo com suas principais vias. As obras de engenharia, infraestrutura e mesmo as dos túneis não têm grandes segredos de engenharia. É fazer isso e manter as condições de mobilidade da área que impacta toda a região metropolitana o maior desafio da operação. Não dá pra botar um tapume em volta da região e fazer as obras. Tem que manter tudo funcionando. Para tanto, o município implantou um plano de mitigação para o período de obras que contempla um conjunto de ajustes no sistema viário e na racionalização e otimização dos transportes públicos, estimulando uma maior integração e a aceleração de investimentos. Até a conclusão das obras, a cidade conviverá com um sistema viário limitado, entretanto, a partir da segunda metade de 2016, com a Via Binário do Porto completa, Via Expressa e VLT em operação, a cidade terá um sistema de mobilidade muito melhor.


Head image: A nova frente marítima devolve o mar à cidade.


Article reference for citation:
Silva Alberto, “Porto Maravilha: revitalização, sustentabilidade e preservação do patrimônio”, PORTUS: the online magazine of RETE, n.28, October 2014, Year XIV, Venice, RETE Publisher, ISSN 2282-5789 URL: https://portusonline.org/porto-maravilha-revitalizacao-sustentabilidade-e-preservacao-do-patrimonio/

error: Content is protected !!