Lisboa: a cidade, o porto e a região em perspetiva

4 Luglio, 2017

A cidade de Lisboa apresenta-se como uma cidade portuária de características mediterrânicas, sendo o seu processo histórico de desenvolvimento indissociável da presença das funções portuárias. A este propósito, importa não descurar que até à dissolução do “Império Português” (no final do terceiro quartel do século XX), o Porto de Lisboa constituía-se como o “grande porto metropolitano”, verdadeira rótula de articulação comercial com os territórios ultramarinos, e em torno do qual se organizava uma importante cintura industrial. Neste contexto, merecem destaque as atividades industriais implantadas na zona oriental da cidade de Lisboa (com particular expressão para as indústrias energéticas) e na margem sul do Estuário do Tejo, nomeadamente os Estaleiros Navais da Lisnave (Almada), Siderurgia Nacional (Seixal) e CUF/Quimiparque (Barreiro).

Desde então, a cidade-região portuária de Lisboa conheceu uma evolução particularmente interessante em múltiplas dimensões. Não sem que o papel do porto no contexto regional se tenha transformado e que a sua presença na cidade tenha vindo a ser questionada. Não sem que se tenham verificado algumas incertezas, e mesmo indefinições, quanto a vários investimentos em projetos estruturantes para esta região, passíveis de influenciar a atividade e o posicionamento do Porto de Lisboa a diferentes escalas. São disso exemplo a indefinição quanto ao futuro da Plataforma Logística Multimodal do Poceirão ou a concretização do Novo Terminal de Contentores do Porto de Lisboa.

Certo é que nos últimos anos (grosso modo desde a viragem para o século XXI) a relação entre a cidade, o porto e a região tem sido marcada por uma dinâmica evolutiva alicerçada num conjunto de tendências estruturantes, designadamente: (i) o reconhecimento da importância estratégica da presença e desenvolvimento das funções portuárias no contexto territorial da cidade-região; (ii) o processo de desenvolvimento das atividades logísticas a nível regional, potenciado pela necessidade de abastecimento da principal área de concentração de população e de atividades económicas do país (i.e. a Área Metropolitana de Lisboa); (iii) o forte impulso – e esforço – regional matizado no processo de revitalização das frentes ribeirinhas e, bem assim, de reapropriação destes territórios de interface terra-água. Nos pontos seguintes procede-se ao aprofundamento e discussão de cada uma destas tendências estruturantes.

As funções portuárias, a cidade e a região

 

As transformações económicas inerentes ao declínio do segundo ciclo de industrialização moderna e à emergência da “terceira industrialização”, tiveram reflexo no progressivo declínio e obsolescência funcional de algumas áreas portuárias a partir da década de 1980, nomeadamente aquelas que se encontravam ocupadas com indústrias portuárias ou indústrias conexas. Neste contexto, e à semelhança daquilo que se verificou noutros portos europeus em virtude da emergência e consolidação do paradigma pós-industrial, o Porto de Lisboa encetou, no início dos anos 1990, a elaboração do “Plano de Ordenamento da Zona Ribeirinha de Lisboa” (POZOR). Um plano que procurava conjugar os interesses da Administração do Porto de Lisboa (APL), do Município de Lisboa e dos privados, nomeadamente no que diz respeito à necessidade de articulação do processo de desenvolvimento das atividades portuárias com a resposta ao desejo da comunidade de fruição da frente de água para fins recreativos e de lazer. Todavia, algumas das opções urbanísticas do POZOR acabaram por determinar a contestação por parte da cidade e dos cidadãos, acabando o plano por não ser aprovado.

Mais tarde, a APL desencadeou a elaboração do “Plano Estratégico de Desenvolvimento do Porto de Lisboa” (concluído em 2007), tendo este instrumento definido um perfil funcional e de negócios para o porto assente nos seguintes segmentos: movimentação de contentores; movimentação de granéis agroalimentares; atividades de turismo e lazer e de gestão do património portuário. Sob a égide deste plano, e no que respeita ao primeiro segmento enunciado, foram exploradas várias hipóteses para potenciar o reforço da capacidade de movimentação de contentores do Porto de Lisboa, incluindo a expansão do Terminal de Contentores de Alcântara (um projeto que, no passado, sofreu forte contestação; embora a autarquia tenho vindo, entretanto, reafirmar a importância da presença de um terminal de contentores na cidade, assim como a própria vocação portuária de Lisboa) e/ou a criação de um novo terminal de contentores na margem Sul. Depois de ter sido inicialmente equacionada a construção deste novo terminal na Trafaria (Almada), tudo indica que o mesmo venha a localizar-se no Barreiro, encontrando-se já o Estudo de Impacte Ambiental do terminal em processo de avaliação por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Importa salientar que, segundo “Plano Estratégico de Transportes e Infraestruturas – Horizonte 2014-2020” (Ministério da Economia, 2014), o novo terminal de contentores deverá ter uma área de 99 ha, contando com 1.500 metros de cais e capacidade para 2,7 milhões de TEU/ano.

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Vista aérea do Terminal de Contentores de Alcântara, (Fonte: Administração do Porto de Lisboa; Fotografia: João Ferrand)

Em termos de atividade portuária, o movimento total de mercadorias no Porto de Lisboa fixou-se em 10.647.153 toneladas no ano de 2016, um número que representou um declínio de -10,6% face a 2015 (11.909.646 toneladas). Quanto ao segmento da carga contentorizada, este porto movimentou 391.283 TEU em 2016, quando tinha movimentado 481.289 TEU em 2015, pelo que registando uma variação de -18,7%. No mesmo sentido, o número de navios de mercadorias (incluindo granéis líquidos, granéis sólidos e carga geral) entrados neste porto passou 2.159 em 2015 para 1.865 navios em 2016, materializando uma quebra de -13,6%. Se no caso dos granéis líquidos e sólidos se registaram ligeiros acréscimos no número de navios entrados (+3,5% e + 5,9%, respetivamente), foi nos navios de carga geral que ocorreu a principal quebra, que se cifrou em -18,5%, com o número de navios entrados a passar de 1.698 em 2015 para 1.384 em 2016. Note-se que esta tendência não é indiferente à forte instabilidade laboral que foi vivida neste porto. Considera-se, porém, que o acordo entretanto alcançado entre as partes (estivadores e operadores do Porto de Lisboa) e a subsequente resolução desta situação, deverá permitir uma gradual recuperação da atividade neste porto.

Por sua vez, quanto ao último segmento supra enunciado (i.e. atividades de turismo e lazer), o Porto de Lisboa tem vindo a fazer uma aposta relevante no desenvolvimento das condições de acolhimento de navios de cruzeiro, assim como na promoção de eventos náuticos de cariz internacional (em parceria com outras entidades). No caso dos cruzeiros, a evolução da atividade – e subsequentes benefícios económicos para a cidade -, é elucidativa. Concretizando, entre 2007 e 2015 o número de passageiros cresceu 67,8%, passando de cerca de 305 mil para 512 mil passageiros. Quanto ao número de escalas, estas fixaram-se em 256 no ano de 2007, ascendendo a 306 em 2015, o que representa um crescimento de 19,5%. Números que fazem de Lisboa o segundo principal porto nacional em número de passageiros e de escalas, apenas superado pelo Porto do Funchal. Ainda no primeiro semestre de 2017 será ainda inaugurado o novo Terminal de Cruzeiros de Santa Apolónia, com uma área de cerca de 13 mil m2. Com capacidade para 1,8 milhões de passageiros e dotado de um cais com 1.425 metros de comprimento, este novo terminal aumentará significativamente a capacidade de movimentação de navios e de passageiros, para além de qualificar as condições de receção dos turistas de cruzeiro.

Tudo isto num contexto em que a AML, e em particular a cidade de Lisboa, tem vindo a registar um forte crescimento da procura turística. De facto, em 2015, os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (“Estatísticas do Turismo 2015”), mostram que o número total de dormidas registadas na AML em todos os alojamentos turísticos ascendeu a cerca de 13,5 milhões de dormidas, fixando-se em 11,6 milhões caso se considere apenas a hotelaria, sendo a procura internacional largamente predominante.

Importa ainda assinalar a organização de vários eventos náuticos internacionais, que contaram com o Porto de Lisboa como entidade parceira, como são os casos da The Tall Ship Races (2012 e 2016) e da Volvo Ocean Race. Neste caso com paragem em Lisboa nas duas últimas edições da regata, apontando a organização para um impacte económico de 30 milhões de euros e 210 mil visitantes na edição de 2015. Acresce que a Volvo Ocean Race tem já paragem assegurada em Lisboa na edição de 2017/2018, na qual a Doca de Pedrouços acolhe o estaleiro e base de treinos da regata.

A logística numa perspetiva regional

 

Na perspetiva do processo de desenvolvimento das atividades logísticas a nível regional, é incontornável a referência à forma pouco ordenada como este processo decorreu no passado. Algo patente na multiplicação de áreas industriais-logísticas pelo território metropolitano (muitas delas desprovidas de quaisquer serviços complementares/de apoio diferenciados), nalguns casos dotadas de francas áreas de expansão (parcialmente infraestruturas) que continuam muito aquém da sua capacidade. Da mesma forma, verificou-se uma forte dispersão de “armazéns logísticos” ao longo de vias que lhes garantiam boas acessibilidades rodoviárias ou junto aos nós de acesso a vias estruturantes.

Não obstante algumas tentativas de promoção do ordenamento e racionalização da atividade, certo é que tem sido difícil a efetivação desta orientação, com claros prejuízos para a eficiência das operações logísticas na região, assim como para o valor acrescentando que as mesmas podem aportar à economia metropolitana e nacional. Esta dificuldade está bem patente no “Plano Portugal Logístico”, documento estratégico – datado de 2006 – que previa a criação de três grandes plataformas logísticas (urbanas e portuárias) na Área Metropolitana de Lisboa (AML): Castanheira do Ribatejo, Poceirão e Bobadela. Se a primeira acabou por ser objeto de uma reformulação do conceito, a segunda contínua por concretizar, sendo a terceira (que forma um complexo constituído por três terminais) a única que se encontra em plena atividade.

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Plataforma Logística da Bobadela. (Fonte: Própria)

Não obstante, considera-se que a eventual concretização no novo terminal de contentores do Porto de Lisboa no Barreiro, conjugado com a existência de área disponível e com a possibilidade de estabelecimento de boas ligações a infraestruturas rodoviárias e ferroviárias estruturantes (que garantem a boa conetividade do território da Quimiparque à região metropolitana e ao hinterland nacional/ibérico), poderão vir a contribuir para a consolidação de um novo polo logístico a sul. Um polo que poderá vir a contribuir para o ordenamento, estruturação e especialização das grandes áreas industriais-logísticas atualmente existentes na envolvente a este território (para além do Parque Empresarial do Berreiro, incluem-se neste “triângulo” o Polo Industrial do Seixal e o Polo Industrial e Logístico de Coina/Palmela).

A cidade, a região e as frentes ribeirinhas

Finalmente, quanto à revitalização das frentes ribeirinhas, e tal como referido acima, verificou-se uma importante dinâmica regional indutora da criação de condições de suporte à reapropriação destes territórios de interface terra-água. No caso específico da cidade de Lisboa cumpre, desde logo, assinalar o projeto pioneiro de reconversão da Doca de Santo Amaro, promovido pela APL ainda durante aos anos 1990. Um projeto que possibilitou a reabilitação de antigos armazéns portuários, criando novos espaços comerciais e de lazer na frente ribeirinha. Ainda durante esta década, e por ocasião da Exposição Internacional de 1998 – EXPO’98, foi igualmente despoletada uma importante operação de regeneração da área ribeirinha da zona oriental da cidade, um território com cerca de 340 ha e que se estende por cerca de 5 km de frente ribeirinha.

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Doca de Santo Amaro. (Fonte: Própria)

Mais recentemente, partindo do reconhecimento da importância de coordenação de estratégias para promover a articulação entre os usos portuários e os usos urbanos de áreas ribeirinhas da cidade de Lisboa, a APL e o município celebraram – em 2008 -, um Acordo de Cooperação. Foram posteriormente desenvolvidas negociações que resultaram na identificação e consensualização das condições para a transferência de parcelas da frente ribeirinha da jurisdição da APL para o Município de Lisboa, a saber: Belém, Espelho de Água, Cordoaria/Junqueira, Cais Sodré, Ribeira das Naus e Poço do Bispo/Matinha. Nalgumas destas áreas foram entretanto realizadas importantes intervenções urbanísticas, apostadas na qualificação do espaço público, na promoção da permeabilidade destes territórios e na criação de condições propiciadores da sua vivência e apropriação pela população e por turistas/visitantes. São os casos das intervenções de requalificação das frentes ribeirinhas do Cais Sodré/Corpo Santo, Ribeira das Naus e Campo das Cebolas.

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Vista parcial da intervenção da Ribeira das Naus. (Fonte: Própria)

As intervenções de requalificação das frentes ribeirinhas não se limitaram, porém, à cidade de Lisboa. Um pouco por todo o Estuário do Tejo foram desencadeadas intervenções desta natureza, que procuraram conciliar a qualificação destes territórios com a sua revitalização económica e social. Intervenções que tiveram lugar em diferentes setores das frentes ribeirinhas da generalidade dos municípios estuarinos. Não obstante, persiste o problema da regeneração dos três grandes complexos industriais localizados na margem Sul (i.e. Margueira, ex-Siderurgia Nacional e CUF/Quimiparque). Áreas cuja localização, extensão e passivos ambientais, enformam desafios que exigem a adoção de modelos de intervenção alicerçados em estratégias de longo prazo e de implementação faseada. Estratégias que dificilmente poderão mimetizar as lógicas de intervenção desencadeadas no passado noutros contextos territoriais, em que o mix de usos habitacionais, comerciais/de serviços e recreativos/de lazer se constituía como o paradigma de reconversão das áreas portuárias/industriais devolutas.


Head Image: Vista aérea do Estuário do Tejo. (Fonte: Administração do Porto de Lisboa; Fotografia: João Ferrand)


Article reference for citation:
FERNANDES André, FIGUEIRA DE SOUSA João , “Lisboa: a cidade, o porto e a região em perspetiva” PORTUS: the online magazine of RETE, n.33, June 2017, Year XVII, Venice, RETE Publisher, ISSN 2282-5789, URL: https://portusonline.org/pt/lisboa-a-cidade-o-porto-e-a-regiao-em-perspetiva/

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