A Cidade de Santos, no Estado de São Paulo, Brasil, é uma das mais antigas do país, fundada em 1546. No entanto, desde 1530, com a chegada dos primeiros colonizadores portugueses, sempre teve vocação portuária, inicialmente na região hoje conhecida como Ponta Praia e, posteriormente, em busca de proteção contra eventos climáticos extremos e ataques de piratas, para o atual Centro Histórico de Santos, nas águas abrigadas do Canal do Estuário.
Em função do porto, ali foi criado o primeiro hospital da colônia, em 1543.
As atividades portuárias ali se desenvolveram por meio de armazéns e trapiches particulares até o final do século XIX, passando por todos os ciclos econômicos: pau-brasil, cana-de-açúcar… Mas foi com o café, o “ouro verde”, que o porto alcançou importância nacional e internacional, que conserva até hoje.
No século XIX, o Estado de São Paulo era o principal produtor de café do Brasil, e o Porto de Santos era seu escoadouro natural. Antes trazido do planalto, 700 m mais alto, em tropas de mulas, sua importância para a economia nacional resultou na implantação da segunda ferrovia do país, primeira do Estado de São Paulo, a Estrada de Ferro São Paulo Railway Company (SPR), inaugurada em 1867, operando sob essa denominação e gestão até 1946, quando foi estatizada e passou a ser conhecida, a partir de 1948, como Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (EFSJ).
Inicialmente, voltadas à exportação de café, as ferrovias também foram fundamentais para a industrialização do Estado de São Paulo. Nesse contexto, o Porto de Santos e a SPR tornaram-se o principal ponto de chegada de imigrantes europeus e orientais que, com suas expertises e dinamismo contribuíram para tornar São Paulo o estado mais cosmopolita e economicamente pujante do Brasil, status que mantém até hoje.
Esse local, onde porto e cidade nasceram, foi transformado em porto público, federal, em 1888, concedido à iniciativa privado por 90 anos, tendo seus primeiros metros de cais inaugurados em 1892. A partir daí, seguidas expansões, que incluíam o antigo Armazém de Bagagem 12-A, e modernizações levaram o Porto de Santos à condição de maior complexo portuário da América Latina.
Estação do Valongo (Secretaria Municipal de Turismo)
A Estação de Santos ou Estação do Valongo foi a primeira estação ferroviária do Estado de São Paulo.
Segundo De Bem (1998, p. 55), a construção da Estação do Valongo teve início em 1865, sendo inaugurada em 1867. Sua primeira reforma ocorreu em 1895, com a construção do segundo piso e dois torreões. O aspecto atual da fachada é de 1899.
Não foi encontrado registro sobre o autor do projeto original, apenas que ficou sob a responsabilidade de técnicos ingleses da SPR.
Ela fica localizada no bairro de mesmo nome, integrando complexo histórico-cultural, que também inclui o Santuário de Santo Antônio do Valongo, criado em 1640; o “Casarão do Valongo”, imóvel construído em meados do século XIX, que foi sede da Câmara Municipal e Prefeitura de Santos, restaurado, reconstruído e inaugurado em 2014, passando a sediar o Museu Pelé, que abriga acervo do Atleta do Século XX. O local integra a linha do “Bonde Turístico”, por onde circulam veículos elétricos de várias partes do mundo, abrangendo vários sítios do Centro Histórico de Santos, todos lindeiros ao Porto de Santos.
A Estação do Valongo foi utilizada até 1996, quando o transporte ferroviário de passageiros entre São Paulo e Santos foi desativado. Antes disso, em 1993, o imóvel foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de Santos (CONDEPASA).
21-Imóvel da Estação Ferroviária, situado no Largo Marquês de Monte Alegre s/n., CONDEPASA, Livro Tombo 01, inscrição 21, folha 4, Proc. 44949/92-86, Resolução SC 5/93 de 31/08/93 (CONDEPASA, 2019).
O imóvel é classificado como Nível de Proteção 1 (NP-1), pela Lei Complementar n. 1.006/2018, que define o uso e ocupação de solo do Município.
Art. 105. Os imóveis de interesse cultural, em decorrência de sua representatividade, do seu estado de conservação e da sua localização, ficam enquadrados em um dos 05 (cinco) níveis de proteção-NP, assim especificados:
I – Nível de Proteção 1 – NP 1, corresponde à proteção total e atinge imóveis a serem preservados integralmente, incluindo toda a edificação, os seus elementos construtivos e decorativos, interna e externamente;
[…] (PREFEITURA DE SANTOS, 2018).
Estação ferroviária do Valongo abandonada, 2000. (Estações Ferroviárias do Brasil Autor desconhecido. Disponível em: http://www.estacoesferroviarias.com.br/s/santos.htm. Acesso em: 22 Mai. 2019)
Depois de anos de abandono, a restauração da Estação do Valongo teve início em 2003, sendo concluída em 2004, passando a sediar a Secretaria Municipal de Turismo de Santos.
A restauração foi realizada pela Prefeitura de Santos, tendo como responsável pelo projeto o Arquiteto Ney Caldatto Barbosa.
Desde 2012, o imóvel também abriga restaurante-escola, que qualifica jovens entre 18 e 29 anos, em situação de vulnerabilidade social.
Aspectos de: Secretaria de Municipal de Turismo (antiga Estação do Valongo), Restaurante-Escola “Estação Bistrô”, Bonde Café (verde. Origem: Milão/Itália) e Bonde de Porto (amarelo e branco. Origem: Porto/Portugal). (Disponíveis em: https://www.monolitonimbus.com.br/santos/; https://www.turismosantos.com.br/?q=pt-br/node/9687; https://santosturismo.wordpress.com/tag/estacao-valongo/. Acessos em: 22 Mai. 2019).
Armazém 12-A
Não foi encontrado registro preciso sobre seu ano de construção e autoria do projeto, mas apenas que foi de responsabilidade do corpo técnico da Companhia Docas de Santos (CDS), concessionária do Porto de Santos entre 1890 e 1980. Era localizado em área primária da Margem Direita do Porto de Santos.
A partir de 1980, o Porto de Santos passou a ser gerido pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), empresa estatal do Governo Federal. O Armazém 12-A, antigo armazém de bagagem, tempos depois passou a ser utilizado como oficina de manutenção de guindastes do porto.
Em 2002, a área em que se encontrava foi arrendada pelo Governo Federal a empreendedor privado, destinada à operação de granéis vegetais, cujo projeto incluía o desmanche do Armazém 12-A.
Armazém 12-A (Armazém de Bagagem), em foto por volta de 1922. (Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos074a.htm. Acesso em: 22 Mai. 2019).
Em 2004, o CONDEPASA, por meio da Resolução n. SC 03/2004, tombou as três estações elevatórias de Esgoto da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Artigo 1˚ – Fica tombado como bem cultural de interesse histório e arquitetônico as edificações remanescentes do “SISTEMA COLETOR DE ESGOTO SANITÁRIO”, idealizados pelo Eng. Francisco Saturnino de Brito, representadas pelas três estações elevatórias de esgoto, localizadas na Av. Conselheiro Nébias esquina com a Rua Campos Sales, Vila Nova; Rua João Octávio, Paquetá (grifo nosso) e na Alameda Neiva Motta e Silva n. 45, bem como o edifício de prevenção localizado no mesmo endereço no Bairro do José Menino (PREFEITURA DE SANTOS, 2004, p. 17).
Por estar localizado dentro da envoltória definida pelo Art. 3˚ dessa Resolução para a Estação Elevatória da Rua João Octávio, o Armazém 12-A passou a ser classificado como NP-2, conforme definido na Lei Complementar n. 1.006/2018, Artigo 105:
[…]
II – Nível de proteção 2 – NP 2, corresponde à proteção parcial e atinge os imóveis a serem preservados parcialmente, incluindo apenas as fachadas, a volumetria e o telhado;
[…] (PREFEITURA DE SANTOS, 2018).
Seu desmanche e remontagem, inicialmente previsto para a área anteriormente ocupada pelo Armazém 6, foi alterado a partir de Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado entre a Prefeitura de Santos e CODESP, conforme deliberado na 361º Reunião Ordinária do CONDEPASA (2009):
[…] assunto: alteração da área determinada para remontagem do Armazém 12-A – local: Cais do Paquetá: após análise, deliberou-se nada opor a alteração de local para remontagem do Armazém 12-A no lote disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Santos, ressaltando-se que a efetivação da instalação no local proposto, depende de prévia autorização da CODESP, da Prefeitura e da alteração do termo de ajustamento de conduta firmado pelo interessado (CONDEPASA, 2009).
A localização proposta pela Prefeitura de Santos foi o terreno ao lado da Estação do Valongo que, por também ser imóvel tombado pelo CONDEPASA, manteve o NP-2 para o Armazém 12-A, agora destinado a abrigar o Museu do Bonde.
Antiga e nova localização do Armazém 12-A. (Google Earth, adaptada pelo autor, e A Tribuna)
A conclusão do processo de desmanche e remontagem do Armazém 12-A ocorreu em 2010, tendo como responsável pelo projeto o Arquiteto Gustavo Araújo Nunes.
Em 2018, após tratativas da Prefeitura de Santos com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), foi definida a transferência de três vagões da antiga SPR, restaurados e em bom estado, para comporem o acervo do Museu do Bonde. São eles: o vagão Presidencial, de luxo, de 1909; um carro Administrativo, de 1913, utilizado por técnicos e engenheiros da ferrovia; e um carro Buffet Pullman, vagão-restaurante, de 1922.
Vagões históricos doados pelo DNIT à Prefeitura de Santos. (Autor)
A partir dessa doação, o Museu do Bonde deve ter suas funções ampliadas, para também configurar-se como museu ferroviário.
Conclusão
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (2014):
El patrimonio cultural encierra el potencial de promover el acceso a la diversidad cultural y su disfrute. Puede también enriquecer el capital social conformando un sentido de pertenencia, individual y colectivo, que ayuda a mantener la cohesión social y territorial (UNESCO, 2014, p. 132).
O complexo agora formado pela Estação do Valongo e o Armazém 12-A, respectivamente Secretaria Municipal de Turismo e Museu do Bonde, vem integrar-se a um processo de revitalização mais amplo, que envolve o Centro Histórico de Santos.
Primeira estação ferroviária do Estado de São Paulo, segunda do Brasil, a Estação do Valongo tem inequívoca importância da história das ferrovias do país, no desenvolvimento econômico do estado e nas imigrações de gentes de todas as partes do mundo. Tanto quanto o porto, e em função dele, a Estação do Valongo foi um importante elo no caráter cosmopolita da cidade de Santos. Daí, seu tombamento foi necessário, para que a riqueza de sua história que, também é da cidade e do porto, não se perdesse.
Mas, tão importante quanto o reconhecimento do valor histórico de sítios, edificações e complexos urbanísticos e arquitetônicos, é a sustentabilidade de sua conservação. Nesse âmbito, ainda segundo a UNESCO (2014):
[…] el patrimonio cultural ha adquirido una gran importancia económica para el sector del turismo en muchos países, al mismo tiempo que se generaban nuevos retos para su conservación (UNESCO, 2014, p. 132).
Um dos desafios da conservação de patrimônio é dar-lhe uso, torná-lo atrativo ao público, fazer com que seja frequentado e entendido como parte da história da cidade e de seus habitantes e, também, como ambiente para desenvolvimento de atividades culturais e sociais.
Una gestión correcta del potencial de desarrollo del patrimonio cultural exige un enfoque que haga hincapié en la sostenibilidad. A su vez, la sostenibilidad requiere encontrar el justo equilibrio entre sacar provecho del patrimonio cultural hoy y preservar su “riqueza frágil” para las generaciones futuras.
O Museu do Bonde, instalado no antigo Armazém 12-A, agora também abrigando vagões ferroviários históricos, e a Estação do Valongo que, além de sediar a Secretaria Municipal de Turismo, conta com restaurante-escola, atende aos quesitos turísticos culturais, sociais e econômicos. Também merece destaque a parceria dos governos federal e estadual, e da iniciativa privada, que contribuíram de múltiplas formas no processo de restauração e na sustentabilidade desses patrimônios.
O ápice desse complexo seria a reativação do transporte ferroviário de passageiros entre São Paulo e Santos. Existem estudos para implantação de um trem turístico, utilizando a Estação do Valongo. O Governo do Estado de São Paulo também estuda a criação de uma linha regular, no âmbito de um projeto macrometropolitano. No entanto, nada há de efetivo.
Mas, recordando, o complexo Estação do Valongo – Museu do Bonde integra o Centro Histórico de Santos, que também inclui áreas portuárias desativadas desde 1988. Abrangendo os Armazéns 1 a 8, as edificações ali existentes estão em contínuo processo de degradação, representando um significativo conflito na relação porto-cidade.
É certo que desde 2008 existem estudos para reurbanização e integração urbana dessa área, mas que não evoluíram em função de falta de recursos financeiros governamentais e de restrições impostas pelas atuais legislações municipais de uso e ocupação de solo e de patrimônio histórico, que também não têm contribuído para atrair investimentos privados.
A expectativa é que esse processo seja retomado, e que as impedâncias sejam superadas com técnica, criatividade e racionalidade, em nome da efetiva e sustentável preservação do Centro Histórico de Santos.
Referências
CONDEPASA (2007). Ata da 361.ª Reunião Ordinária do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultura de Santos. Santos, Brasil. (Disponível em: http://www.santos.sp.gov.br/static/files_www/conselhos/CONDEPASA/361_r.ord._ata.pdf. Acesso em: 21 Mai. 2019).
CONDEPASA (2019). Relação de bens tombados. Santos, Brasil. (Disponível em: http://www.santos.sp.gov.br/static/files_www/conselhos/CONDEPASA/relao_bens_tombados-atualizada-2016-.pdf. Acesso em: 21 Mai. 2019).
DE BEM, S.F (1998). Contribuição para estudos das estações ferroviárias paulistas, vol. 1. FAUUSP, São Paulo, Brasil.
PREFEITURA DE SANTOS (2004). Diário Oficial de 18 de dezembro de 2004. Santos, Brasil. (Disponível em: https://diariooficial.santos.sp.gov.br/edicoes/leitura/mobile/2004-12-18/17. Acesso em: 22 Mai. 2019).
PREFEITURA DE SANTOS (2014). Estação do Valongo comemora 147 anos. Santos, Brasil.
PREFEITURA DE SANTOS (2018). Lei Complementar n. 1.006, de 16 de julho de 2018. Disciplina o ordenamento do uso e ocupação do sono na área insular do Município de Santos, e dá outras providências. Santos, Brasil. (Disponível em: http://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/estacao-do-valongo-comemora-147-anos. Acesso em: 21 Mai. 2019).
UNESCO (2014). Indicadores UNESCO de cultura para el desarollo – Património – Relevancia de la dimensión para la cultura y el desarollo. UNESCO. ISBN 978-92-3-300001-8.
Head image: Estação do Valongo. (Autor: Francisco Arrais. Disponível em: https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/pedal-anchieta-traz-a-santos-30-mil-ciclistas-no-domingo. Acesso em: 28 Out. 2019)