Reconstrução do Porto das Lajes das Flores nos Açores, destruído por um furacão em outubro de 2019
O arquipélago dos Açores, localizado no Atlântico Norte, aproximadamente a um terço da distância entre a Europa e a América do Norte, constitui uma Região Autónoma de Portugal (também região ultraperiférica da União Europeia), é composto por nove ilhas de origem vulcânica, que se estendem por cerca de 600 Km (entre a ilha de Santa Maria, a oriente e a ilha das Flores, a ocidente), que se distribuem por três grupos de ilhas, atendendo às suas proximidades relativas, designados por: Grupo Oriental, com as ilhas Santa Maria e São Miguel; Grupo Central, com as ilhas Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial; Grupo Ocidental, com as ilhas Flores e Corvo.
Nos dias 1 e 2 de Outubro de 2019 o arquipélago dos Açores foi atingido pelo furacão ‘Lorenzo’, que atravessou o Oceano Atlântico no sentido de sudoeste para nordeste, com força 4, provocando numerosos danos em todas as ilhas, especialmente nas localizadas mais a ocidente.
Na ilha das Flores, onde o poder destruidor do furacão mais se acentuou, o vento soprou com rajadas superiores a 180 Km/hora e a agitação marítima, no período de maior intensidade, entre as 02:00 e as 07:00 horas do dia 2 de Outubro, atingiu ondas significativas (Hs) superiores a 17 metros e períodos entre 15 segundos e 20 segundos, provocando, além de outros danos consideráveis, a destruição do único porto comercial da ilha. Felizmente não houve danos pessoais a registar.
Infraestrutura construída entre 1988 e 1993
O porto das Lajes das Flores, além de outras valências (apoio à pesca artesanal, ao recreio náutico, às atividades marítimo-turísticas), é escalado quinzenalmente por navios porta-contentores e mensalmente por navios tanque, para abastecimento de combustíveis. A ilha do Corvo, a mais pequena parcela do arquipélago, distando cerca de 10 milhas das Flores, também depende deste porto, quer para o seu abastecimento, quer para as suas exportações.
Esta infraestrutura, localizada na parte sudeste das Flores, foi construída entre 1988 e 1993 (inaugurada oficialmente em 12 de julho de 1994), para dotar esta ilha de um porto com as condições necessárias à operação de navios da cabotagem regional.
O porto desenvolvia-se ao abrigo de um molhe de taludes, com 460 metros de comprimento e dispunha de dois sectores (próxima figura): um Sector Comercial, constituído por dois cais e um terrapleno; e um Sector de Pesca e de Recreio Náutico, desenvolvendo-se no interior de uma doca, no saco do porto.
O molhe estava enraizado em terra na sua extremidade sul, era constituído por dois troços retos interligados por um troço curvo e terminava numa cabeça troncocónica.
O primeiro troço reto do molhe, com 145 metros de comprimento e com a direção aproximada W-E, desenvolvia-se a cotas positivas, fundado sobre formações rochosas e debruado por uma pequena praia de areia e calhau rolado, o qual protegia o terrapleno portuário, construído entre o molhe e o antigo cais, primitivo, onde se inseriam um pequeno parque de contentores e os edifícios de apoio à atividade portuária (pequena gare de passageiros, escritórios da autoridade portuária, incluindo serviços de pilotagem, garagem/oficina para os equipamentos de movimentação de cargas, armazém, casas de aprestos e pequena oficina de apoio à atividade das pescas).
O segundo troço, em curva, com 90 metros de raio e 67 metros de extensão, desenvolvia-se, em cerca de metade do seu comprimento, sobre fundos rochosos e, na restante extensão, sobre fundos de areia e calhau rolado, entre as cotas de -15,0 m(ZH) e -18,0 m(ZH). A transição entre os fundos dos dois trechos fazia-se de forma abrupta, com inclinações da ordem de 1/1.
O terceiro troço, reto, com cerca de 248 metros de comprimento e com a direção SW-NE, desenvolvia-se em fundos de areia e calhau rolado com profundidade compreendida entre -18,0 m(ZH) e -21,0 m(ZH). Este troço terminava numa cabeça, troncocónica, com desenvolvimento, ao nível da base, de cerca de 200 metros, em fundos de cotas variando entre os -21,0 m(ZH) e -18,0 m(ZH).
Aderente ao molhe estava construído um cais com fundos de serviço à cota -7,00 m(ZH), com estrutura formada por colunas de blocos de betão interligados na parte superior por uma viga em betão armado. Este cais dispunha de uma plataforma de trabalho com 21 metros de largura.
A estrutura do molhe era constituída, genericamente, do seguinte modo:
- núcleo de enrocamento de todo o tamanho de forma trapezoidal;
- manto de filtro, em enrocamento de pedras de basalto com 5 a 20 kN, com 1,5 metros de espessura, desenvolvendo-se entre à cota -0,7 m(ZH) e o fundo natural;
- manto secundário, em enrocamento de pedras de basalto de 20 a 40 kN, revestindo o anterior, com 2 metros de espessura, desenvolvendo-se entre a cota +8,0 m(ZH) e o fundo natural, criando uma banqueta à cota -14,5 m(ZH), com 16 metros de largura;
- banqueta em blocos Antifer de 150 kN, com coroamento à cota -11,5 m(ZH) e 6 metros de largura, para apoio do manto de proteção;
- manto de proteção constituído por tetrápodes de 400 kN, no perfil corrente, e por blocos Antifer de 400 kN, na cabeça, desenvolvendo-se entre a banqueta atrás referida e a plataforma de coroamento, esta à cota +8,10, com 8 metros de largura;
- muro-cortina em betão simples, construído em módulos com cerca de 10 metros de comprimento e separados por juntas de dilatação, preenchidas com esferovite.
Posteriormente foi construído, no “saco do porto” e na parte poente do terrapleno portuário, aproveitando o primitivo cais acostável, um pequeno núcleo de recreio náutico, que também serve de apoio à frota de pesca artesanal.
No enraizamento do cais comercial aderente, foi entretanto construída uma rampa ro-ro para permitir a movimentação de viaturas.
Devido à dimensão da ilha das Flores (143 Km2), além das características da sua orla costeira, caraterizada por falésias entrecortadas por ravinas, e ainda à sua localização, o Porto das Lajes fica muito exposto aos agentes naturais (vento e agitação marítima), pelo que o molhe tem sofrido, ao longo da sua existência, o ataque de vários temporais de grande violência. Os danos provocados por estes temporais, principalmente nos mantos exteriores de proteção, obrigaram a várias reparações da estrutura, que consistiram na colmatação das falhas do manto de proteção exterior e recarga com a colocação de algumas dezenas de tetrápodes de 400 kN (figura anterior). Também no manto interior e plataforma do cais já foi necessário intervir para reparação de estragos.
Furacão “Lorenzo” deixa porto comercial em ruínas
Na sequência da passagem do furacão ‘Lorenzo’ (a 1 e 2 de outubro de 2019) e da forte ondulação associada, verificaram-se (próxima figura):
- Danos muito avultados, com desaparecimento de parte significativa dos tetrápodes dos mantos de proteção do talude exterior;
- Ruína do manto de proteção da cabeça;
- Corte pela cota +8 m(ZH) e derrube para o interior de parte do muro cortina que protegia o terrapleno portuário;
- Corte pela cota +8 m(ZH) e deslocamento da restante parte do muro cortina, com arrastamento de vários blocos para o interior da bacia portuária;
- Grande deformação longitudinal nos primeiros 30 metros e ruína da restante extensão do cais aderente;
- Ruína em toda a extensão da retenção vertical do intradorso do molhe;
- Ruína de quase a totalidade do pavimento da plataforma adjacente ao muro-cortina;
- Derrube do edifício polivalente de apoio à operação portuária.
Além dos danos causados na estrutura portuária também se verificou o arrastamento dos equipamentos de movimentação de cargas e das embarcações de pesca e de apoio à atividade portuária, que se encontravam no terrapleno portuário, assim como o arrastamento e projeção para o mar (interior do núcleo de recreio náutico e para a bacia portuária) dos contentores que se encontravam no terrapleno portuário.
Conforme referido, o Porto das Lajes é a única porta de entrada da quase totalidade dos bens de consumo das ilhas das Flores e do Corvo e também é por aqui que passam, praticamente, todas as suas exportações.
Dos danos à reconstrução, tarefa difícil e grandiosa
Perante a destruição das infraestruturas portuárias, a Portos dos Açores, S.A., sob a coordenação do Governo Regional dos Açores e com a colaboração das entidades públicas e privadas da ilha, das empresas de construção civil que se encontravam em atividade na ilha e das Forças Armadas Portuguesas, nomeadamente da Marinha, deu, de imediato, início às tarefas necessárias para:
- remoção e limpeza do terrapleno portuário dos destroços que foram arrastados;
- remoção dos materiais e dragagem dos fundos na frente norte do terrapleno portuário para permitir, muito embora com restrições, a acostagem de plataformas/pontões para descarga de equipamentos de movimentação de cargas mobilizados de outras ilhas da Região Autónoma, para substituição temporária dos equipamentos que ficaram inoperativos ou destruídos e também de produtos/artigos de primeira necessidade, para abastecimento da população local.
Paralelamente, foram tomadas algumas decisões de emergência, para assegurar o abastecimento da ilha, até que fosse possível reconstruir o porto. Uma das decisões tomadas foi tornar operacional o cais que limita o terrapleno portuário a norte, com 80 metros de comprimento acostável. Para isso, foi necessário limpar e dragar os fundos para a cota -5,00 m(ZH) na frente do cais, bem como assegurar a bacia mínima para a manobra dos navios. Outra decisão do Governo Regional dos Açores, e não menos importante, foi a contratação do aluguer de um navio com características compatíveis com as condições que eram possíveis assegurar para garantir o abastecimento regular da ilha.
No entanto, mesmo com o cais norte “operacional”, o porto, nomeadamente o terrapleno portuário onde este cais se insere, mantinha-se muito vulnerável e sem proteção. Por isso, foi também decidido construir uma proteção de emergência no enraizamento do molhe, de modo a providenciar-se o mínimo de segurança às operações portuárias.
De salientar que, na sequência da monitorização que a Portos dos Açores, S.A. vinha realizando, após a passagem da tempestade ‘Kyllian’ (a 23 e 24 de Fevereiro de 2018), tinham sido detetadas algumas insuficiências estruturais no porto comercial, nomeadamente, na cabeça e nos mantos exteriores do molhe, pelo que estava em elaboração o projeto para “reparação/reabilitação da cabeça e mantos do molhe do porto das Lajes das Flores”.
Após a ocorrência dos estragos causados pelo furacão ‘Lorenzo’, o âmbito da intervenção foi alargado, de forma a contemplar a elaboração do projeto das “Obras de Emergência no Porto das Lajes das Flores, no Âmbito dos Prejuízos Decorrentes do Furacão Lorenzo”.
Este projeto tem como objetivo principal:
- a construção de obras de emergência que permitam a operação de um navio no cais a -5 m(ZH), garantindo a proteção contra os galgamentos, reforçando os dispositivos de amarração e criando a bacia necessária à manobra dos navios;
- a construção de uma ponte-cais de 140 metros de comprimento e fundos de serviço de -7 m(ZH), de forma a retomar a operação dos navios que asseguravam o transporte de mercadorias de e para a ilha das Flores, enquanto não estiver concluída a reconstrução do molhe-cais.
O projeto das obras de proteção de emergência foi concluído em meados de Janeiro de 2020 e a adjudicação da respetiva empreitada teve lugar em 31 de Janeiro de 2020.
A obra, já em execução, consta de um muro em betão, com comprimento aproximado de 200 metros e 10 metros de largura, implantado sobre a plataforma rochosa natural, praticamente paralelo ao muro cortina inicial, distanciado dele de 40 metros, e com cota de coroamento a +8,0 m(ZH).
Esta obra será futuramente associada à obra de reconstrução dos molhe-cais, melhorando consideravelmente a sua eficiência aos galgamentos.
Tendo consciência da precariedade da atual situação portuária e considerando que a reconstrução do molhe-cais não ficará concluída nos próximos 5 a 6 anos, foi também decidido pelo Governo Regional dos Açores promover, já, a construção de uma ponte-cais (figura abaixo), com 140 metros de comprimento, acostável dos dois lados, com fundos de serviço de -7,0 m(ZH).
A estrutura desta ponte-cais é composta por sete caixotões de betão armado, pré-fabricados, fundados sobre os fundos rochosos, ligados por um tabuleiro constituído por vigas e laje, formando a plataforma de trabalho com 20 metros de largura.
A empreitada de construção da ponte-cais foi adjudicada em 9 de Outubro de 2020, estando a decorrer os respetivos trabalhos (próxima figura).
Os estudos para a reconstrução do molhe-cais foram adjudicados em 7 de Abril de 2020 e englobam:
- Revisão do Plano Director do porto;
- Anteprojeto das obras (obras e acesso marítimos, edifícios, terrapleno, pavimentações e redes técnicas);
- Ensaios em modelo físico de agitação e de estabilidade e galgamento do molhe;
- Projeto de execução de todas as obras.
A solução selecionada, após estudos das opções alternativas, prevê a reconstrução e o prolongamento do molhe, segundo um alinhamento rodado para poente, a reconstrução do cais aderente, a construção de um edifício para a nova gare de passageiros e para apoio ao sector de recreio náutico (figura abaixo).
Os estudos encontram-se atualmente em fase de desenvolvimento do anteprojeto. Foram já realizados os ensaios em modelo físico 2D, em canal, para seleção da solução a adotar na reconstrução do molhe e deverão iniciar-se em breve os ensaios em modelo físico reduzido 3D do conjunto das obras. Também serão feitos estudos de manobras.
Obra principal prevista para lançar em 2022
A Portos dos Açores, S.A. pretende lançar o procedimento para a adjudicação da empreitada de reconstrução do molhe-cais do porto das Lajes das Flores no primeiro semestre de 2022.
De salientar, ainda, as dificuldades inerentes à execução destas obras na ilha das Flores, não só pela sua ultraperificidade e consequentes limitações e custos dos transportes, mas também pela dimensão da ilha, escassez de materiais adequados, falta de recursos humanos e tecnológicos, mas muito especialmente pelas condições atmosféricas que se verificam na zona e que, normalmente, não permitem trabalhos marítimos mais do que três a quatro meses por ano. Sempre que é compatível, utilizam-se tecnologias que minimizem estes constrangimentos, nomeadamente pré-fabricando componentes da obra no exterior, para depois transportá-los para a ilha e colocá-los em obra, situação que se verifica atualmente na construção da ponte-cais, com a pré-fabricação dos caixotões no porto da Praia da Vitória, na ilha Terceira (a cerca de 200 milhas náuticas) e posterior reboque, em flutuação, para a ilha das Flores. Semelhante situação ocorre também com a pré-fabricação de aduelas e blocos para enchimento dos caixotões, neste caso em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel e consequente transporte para a ilha das Flores (a 277 milhas náuticas de distância). Todas estas operações implicam riscos e gastos, que se refletem no custo final das empreitadas nestas ilhas no meio do Atlântico, muito especialmente no Grupo Ocidental do arquipélago dos Açores.
O valor total da reparação dos danos causados pelo furacão ‘Lorenzo’ no porto das Lajes das Flores, incluindo limpeza das áreas afetadas, estudos, levantamentos, obras de emergência, projetos, revisões de projetos, empreitadas e fiscalizações, continua a ser alvo de reapreciação financeira permanente, dados os constrangimentos e desafios permanentes a que esta empreitada se encontra sujeita, desde o seu início:
- Limpezas e obras de emergência, 839.539,92 €;
- Estudos, projetos e revisões dos projetos, 1.012.450,00 € (valor em evolução);
- Empreitadas incluindo revisões de preço, estimadas – valor a ser determinado, com base na etapa anterior;
- Fiscalizações, 1.100.000,00 € (valor em evolução).
Os encargos financeiros destes trabalhos são suportados pelo Orçamento da Região Autónoma dos Açores, com comparticipação do Orçamento do Estado Português, em 85%, conforme oportunamente publicitado, a nível nacional.
Head Image | Vista do Porto das Lajes durante a construção da ponte-cais. (© Portos dos Açores S.A.).