O Centro Histórico do Porto está inscrito na lista dos bens do Património Mundial da UNESCO, desde 1996.
Entrou nessa lista, porque tem valor para tal, como cidade viva e representativa de uma urbe portuária de, raízes medievais, onde se sedimentam os séculos de acumulação do renascimento, barroco, clássico, romântico, modernista e contemporâneo.
Mas, mais do que um repositório de uma centena de grandes monumentos, o Porto entrou na lista da UNESCO por ser representativo das comunidades europeias dedicadas ao comércio, à navegação, à indústria e ao saber.
O sítio, a comunidade que o preenche e lhe dá vida, mais o artefacto urbano que daí resulta, desde há muitos séculos autêntica e cosmopolita, a Cidade do Porto, entrando nesta lista, ofereceu-se ao mundo.
Do ponto de vista urbanístico, arquitectónico, e também das grandes realizações, como as pontes, o Porto é, um exemplar único de cidade como obra de arte.
Pintura de António Cruz.
A UNESCO soube apreciar a preservação das arquitecturas sobrepostas, misturadas com uma urbanidade que mexe e se altera e com uma variada comunidade de habitantes, comerciantes e utentes. Falamos, por isso, de cidade viva, por oposição à “cidade museu”.
Este entendimento foi inovador, em 1996, para a própria UNESCO.
O Porto agarrou o grande desafio de transportar para o futuro um legado denso e rico que a UNESCO classificou como pertencendo a toda a humanidade, mas que é ainda, e será, a pátria de gente singular, nascida e criada aqui, alguma vinda de fora, outra vinda de perto.
Esta comunidade no seu sítio, com as suas ruelas e escadas e com os seus prédios e comércios, com o seu sol e a sua chuva, herdeira do Porto de mar que era aqui antes de Leixões e do porto de rio que era aqui antes dos comboios e camiões, esta comunidade de tripeiros vindos do Douro e Minho, de Trás-os-Montes e da Inglaterra, retornada do Brasil ou da África, integra o Património Mundial que a UNESCO “meteu” na lista.
Pintura de Eduardo Gomes.
A classificação do Centro Histórico do Porto é antes de mais, e acima de tudo, uma oferta da cidade ao mundo. Uma oferta que se transmite pelos sentidos.
Mais do que visitar, mais do que fotografar ou filmar, o portuense, o visitante ou o turista no Porto deixa a cidade entranhar-se pelos sentidos.
Talvez não á primeira impressão, mas quem chega, cedo começa a perceber que esta não é uma cidade vulgar.
A atmosfera, resultante da luta do Sol e do mar, com neblinas que se vão desfazendo com as horas do dia, a composição granítica do sítio e das casas, os azulejos coloridos e luminosos, os reflexos do poente, enfim, muitas variações da luz e da sombra empurram o visitante para emoções de grande arrebatamento. Isto sente-se na pele e nos olhos!
Pintura de Dordio Gomes.
Mas o Porto não é só uma cidade de paisagem e de urbano, é também uma cidade de história, de arquitecturas e de descoberta.
Vai-se andando e vai-se apercebendo as eras e os séculos de cada casa e de cada rua. Os passos vão pisando percursos que percebemos terem sido trilhados por muita gente antes de nós. As soleiras gastas das casas e das igrejas mostram o uso continuado das gerações que construíram o sítio e o viveram.
O Porto é uma cidade de surpresas.
De um beco estreito sai-se para a largura majestosa do rio. De uma fachada cega de igreja, entra-se para um tesouro fabuloso de talha dourada. Do silêncio de um bairro, que descansa na hora da sesta, entra-se num templo fresco onde o órgão barroco faz troar os seus pulmões com um Bach ou um Haendel.
Atravessamos os gostos do barroco, da idade média e da modernidade. Sentimos a força da engenharia do ferro, com pontes, inesperadas e inimagináveis, de arcos enormes e levíssimos, lançados há muito mais de um século sobre os desfiladeiros das margens.
Mas há também os sons, os gostos, os rostos das pessoas.
Entram na memória profunda do visitante os aromas do “Port Wine”, os paladares elaborados da gastronomia portuguesa, a frescura dos peixes, dos petiscos e das frutas.
A guloseima das sobremesas conventuais não deixa ninguém indiferente nem infeliz! O veludo doce dos pudins perdura nas recordações da boca e da alma.
No Porto é preciso entrar, nas igrejas e nos restaurantes, nos museus e nos sítios arqueológicos, nos palácios e nas casas das pessoas.
Sentir o Porto é entender as histórias da alegria e das tristezas de cada portuense. Dos aventureiros que foram ao Brasil buscar o ouro, dos emigrantes que foram a França buscar o pão, dos soldados que foram a África buscar as memórias amargas de guerras duras.
Pintura de Abreu pessegueiro.
O portuense, o construtor deste Porto que se visita, hospitaleiro e cosmopolita é um habitante da beira-mar, com barcos que sempre ligaram a sua “cidade/pátria” com todo o mundo e que sempre se deu bem com os povos das outras costas, dos reinos, das ilhas e dos continentes distantes.
Esta qualidade está presente na cidade, no passeio pelas ruas, no atendimento do comércio, na simpatia que envolve o visitante, o turista, o estrangeiro.
Por tradição o Porto não é um destino de férias, por isso o turista ainda é, aqui, estimado como um amigo que tem o mérito de ter escolhido esta cidade para visitar. Não é um número numa estatística, não é uma partícula da galáxia dos turistas. Aqui o turista é a estrela!… e, …difícil será não se sentir em casa, quer venha do Japão, do Brasil, do Leste, das Américas, da África ou da Europa,…envolvido como fica pelo calor humanista da cidade.
Pintura de Dordio Gomes.
Neste porto, cruzam-se, os cidadãos do mundo, em sua casa, mergulhando numa cidade de grande afecto e de grande espectáculo.
Head image: Pintura de Dordio Gomes.