O planeamento urbano de una cidade portuária: o caso de Matosinhos e do Porto de Leixões

8 Novembre, 2020

O Porto de Leixões contribui para o crescimento económico da região, embora a sua atividade introduza externalidades negativas que devem ser mitigadas, sobretudo no que diz respeito à cadeia de valor da logística que lhe está associada. O objetivo deste artigo é demonstrar como o Município de Matosinhos reviu o seu instrumento de planeamento e ordenamento do território, o Plano Diretor Municipal, de forma a confinar a atividade logística que conflitua com o desenvolvimento sustentável da cidade através da alteração da classificação do solo e criação de um segmento próprio de qualificação que a distinga das restantes atividades económicas.

A importância de uma infraestrutura portuária e as suas consequências do ponto de vista do ordenamento

As infraestruturas portuárias são o centro nevrálgico de uma rede de conexões entre uma cidade ou região e o resto do mundo, induzindo o crescimento económico e criando emprego (Bottasso et al., 2014;). Com o reforço do mercado único mundial e o avanço da globalização, as cadeias logísticas têm-se revelado cada vez mais decisivas. O desempenho das cadeias logísticas, sobretudo o custo e a previsibilidade do serviço, determina o sucesso de uma infraestrutura orientada para a competitividade (Limao e Venables, 2001), sendo que quanto menor os custos e maior a previsibilidade, mais positivo será o papel do desempenho das cadeias logísticas no crescimento económico desde que exista uma concentração de empresas exportadoras na região para que seja possível contribuir para o aumento da sua produtividade, contribuindo também para a atração de investimento direto estrangeiro e aumento do emprego (Ferrari et al., 2010; Hausman et al., 2013; Coto-Millán et al., 2013). Estudos recentes determinam que o crescimento em 10% no comércio internacional contribui entre 6 a 20% do produto interno bruto da região (Botasso et al., 2014). O investimento na qualidade dos portos contribui decisivamente para um melhor desempenho da cadeia de logística, o que se traduz em indicadores de comércio internacional mais positivos e aumento do crescimento económico (Mutin et al., 2018), contribuindo particularmente para a criação de emprego e valor acrescentado bruto nas cidades em que se encontram (Shan et al., 2014).

Na realidade, nem sempre o investimento no reforço do desempenho das cadeias de logística se revela coerente com o desenvolvimento urbano da cidade que envolve a infraestrutura portuária. Na realidade, embora a cadeia de logística seja uma determinante do crescimento económico, não o é isoladamente pelo que a diversificação dos seus determinantes assume um papel fundamental. Isto significa que a qualidade de vida e atratividade do território também desempenham um papel fundamental na capacidade de atração de investimento e emprego (EY, 2019).

Os poluentes emitidos ao longo da costa e na acostagem com consequências para a saúde humana e ecossistemas, assim como a poluição atmosférica promovida pelos canais de distribuição são as consequências mais negativas do aumento da carga transacionada através de transporte marítimo e da importância acrescida das cadeias de logística, que eventualmente pode condicionar a qualidade de vida em determinada região. Em Portugal, o transporte marítimo tem algum relevo na produção de emissões dos principais poluentes atmosféricos, mas a legislação europeia tem imposto uma redução dos limites máximos de emissões e os navios mais recentes reduziram muito as emissões de óxido de enxofre, azoto e dióxido de carbono (Monteiro et al., 2018; Sorte et al., 2019). Para além da questão ambiental, o peso de uma infraestrutura portuária que confina com o território envolve consequências do ponto de vista da mobilidade, nomeadamente deslocações pendulares, e transporte de mercadorias de longo de longo curso que alimenta a cadeia de valor da logística complementar, introduzindo também a dimensão da perigosidade dos bens em transporte. Por essa razão, o planeamento e ordenamento urbano ganha particular relevância.

Matosinhos enquanto cidade portuária

O concelho de Matosinhos situa-se na Área Metropolitana do Porto, na Região Norte de Portugal. Num território de 62 km² vivem aproximadamente 176 mil habitantes, sendo o oitavo município mais importante do país do ponto de vista demográfico. Embora seja reconhecido pela sua atividade piscatória, o concelho apresentava até muito recentemente uma atividade produtiva maioritariamente ligada à indústria, destacando-se os têxteis, a fabricação de material elétrico, as indústrias de conserva e a petroquímica, conferindo-lhe a quarta posição em termos nacionais do ponto de vista económico. Recentemente, novas dinâmicas têm surgido, fruto de condições externas, mas também resultado de políticas locais, nomeadamente o crescimento do turismo e dos serviços relacionados com o conhecimento, a tecnologia, o design e a arquitetura têm vincado o perfil terciário do concelho. A Região do Norte de Portugal assume-se como o principal polo de internacionalização da economia portuguesa. Exportou, em 2016, o correspondente a um valor global de 20.453 milhões de euros (M€), tendo conseguido assegurar uma tendência de crescimento muito assinalável, o que tem resultado em excedentes comerciais. Os principais produtos exportados inserem-se na cadeia de valor do têxtil e do vestuário, sendo que também se destaca a importância dos produtos da fileira automóvel, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, o calçado e os metais comuns. Em termos mais específicos, os principais produtos exportados são os sapatos de couro, pneus, têxtil, rolhas de cortiça, bancos de automóvel e escapes para automóveis.

O Porto de Leixões situa-se no concelho de Matosinhos e procura servir todo o Noroeste da Península Ibérica. Um Estudo de Avaliação do Impacto do Porto de Leixões de 2006, altura em que a infraestrutura não apresentava a dinâmica comercial dos dias de hoje, estimava a existência de aproximadamente 6 mil postos de trabalho diretos e ainda mais de 4 mil postos de trabalho indiretos, apresentando-se como um dos principais empregadores do município. Somando todos os impactos (induzidos, diretos e indiretos), o referido estudo estimava que a riqueza produzida pela existência da infraestrutura podia chegar aos 3 mil milhões de euros. Atualmente, esta infraestrutura portuária movimento mais de 630 mil TEUS.

Image_01_Matosinhos e o litoral

O Porto de Leixões, a cidade de Matosinhos e o litoral. (© APDL, Mário Rodrigues).

Para além das evidenciadas vantagens económicas, o crescimento da indústria associada à atividade do Porto de Leixões tem provocado externalidades negativas com impacto na qualidade de vida dos cidadãos. A cadeia de valor da Logística apresenta volumetrias muito expressivas e a Plataforma Logística de Leixões, inaugurada em 2015, embora reúna condições próprias e esteja devidamente organizada, não tem conseguido ser eficaz na atração de empresas localizadas no exterior do perímetro portuário. As áreas envolventes das infraestruturas portuárias apresentam forte pressão de armazenagem de contentores, com os devidos constrangimentos do ponto de vista da mobilidade, paisagem e ruído. Um estudo recente conclui que esta cadeia de valor é o principal emissor de poluentes inaláveis em Matosinhos (Sorte et al., 2019).

Plano Diretor de Matosinhos e o Porto de Leixões

O Plano Diretor Municipal é um instrumento regulamentar fundamental na gestão do território municipal, enquadrando os vetores estratégicos de desenvolvimento territorial do município, o que pressupõe um regulamento, que estabelece e as regras e parâmetros aplicáveis à ocupação, uso e transformação do solo; uma planta de ordenamento, que representa o modelo de organização espacial do território municipal; e, uma planta de condicionantes que identifica as limitações ou impedimentos a qualquer forma específica de aproveitamento do solo. A primeira versão do Plano Diretor Municipal de Matosinhos data de 1996, tendo sido atualizado em 2019. De acordo com o Decreto-Lei nº 308/87 de 7 de agosto, a área de jurisdição da APDL abrange a faixa marginal do Domínio Público Marítimo desde o limite mais a sul do concelho de Matosinhos até ao paralelo do Farol da Boa Nova, ao norte do Porto de Leixões, o que lhes confere autonomia para executar obras e gerir a ocupação desse território. Ainda assim, o Plano Diretor de Matosinhos tem a faculdade de decidir a qualificação do solo, nomeadamente o poder de confinar as atividades económicas que colidem com a qualidade de vida nas áreas com classificação do solo residencial, assim como para permitir uma utilização do solo mais coerente com a estratégia de desenvolvimento económico escolhida para o território.

No âmbito da revisão do Plano Diretor, e em conjunto com o Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial (INEGI), o Município de Matosinhos preparou o “Estudo de Localização das Plataformas Logísticas no Município de Matosinhos” que, para além caracterização das principais tipologias de agentes logísticos, mapeou as suas áreas de implantação e intensidade dos fluxos de carga. Para além do Porto de Leixões e do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, a cadeia de valor da logística está presente no território de Matosinhos através das seguintes topologias de agentes: Plataformas Logísticas (empresas que gerem áreas logísticas), operadores logísticos (empresas que prestam serviços logísticos especializados, nomeadamente controlo de stocks, armazenagem e gestão dos transportes), transitários (intermediários administrativos do comércio internacional), transportadores (empresas especializadas no transporte de mercadorias), grandes distribuidores (intermediários entre o produtor e o consumidor final), grandes grossitas (intermediário entre a indústria e o vendedor a retalho), indústria transformadora, terminais de contentores, armazéns e logística urbana/distribuição de correio.

Image_02_Tipologias de Agente de Logística

Caracterização das Tipologias de Agente de Logística. (Fonte: CMM).

A Planta de Enquadramento Regional, um dos instrumentos que serviu de base à qualificação do solo, conclui que existem diversas áreas destinadas a atividades económicas na Área Metropolitana do Porto (AMP), ao longo da rede rodoviária nacional, que permitem uma política de confinamento da localização das zonas de logística às áreas próximas da Autoestrada n.º 41 e da Via Interna de Ligação ao Porto de Leixões (VILPL) para nascente, projetando uma redução da pressão de veículos pesados na A28, autoestrada que serve o norte litoral e cruza o perímetro urbano de Matosinhos/Porto, e incentivando uma utilização efetiva da Cintura Regional Exterior do Porto (CREP). Com o objetivo de reorganizar a atividade logística de modo a permitir a circulação de tráfego pesado apenas em áreas limítrofes do concelho com boas acessibilidades, interligando como as áreas de jurisdição da APDL, procedeu-se à divisão das qualificações do solo para atividades económicas em vários subgrupos, segmentando a atividade logística. Deste modo, a qualificação do solo para atividades económicas privilegiou a proximidade dos nós de acesso à rede viária e outras infraestruturas pré-existentes que favorecessem o desenvolvimento de polos de atividade económica que promovam a competitividade territorial. Por sua vez, destacaram-se destas atividades, as áreas de logística destinadas à localização de atividades económicas com especial aptidão para a atividade logística com o objetivo de mitigar a conflituosidade com a cidade.

Image_03_Classificação e Qualificação do Solo

Planta de Classificação e Qualificação do Solo.

A cadeia de valor de logística envolve várias atividades que importa clarificar uma vez que cada uma comporta diferentes externalidades. Deste modo foi possível induzir a deslocalização progressiva e seletiva da atividade logística existente em áreas urbanas incompatíveis em função da sua tipologia, classificando a tipologia de agentes em função da virulência da sua atividade económica para o contexto em que se insere. Tal significa que enquanto a logística urbana pode ser alvo de licenciamento em qualquer área com classificação do solo destinado a atividade económica, os operadores logísticos, transitários, transportadores, terminais de contentores e armazéns têm que estar em solo classificado como área de logística (sinalizado no mapa anterior com um castanho rasurado, nomeadamente nas plataformas logísticas, perímetro portuário e aeroportuário).

Conclusões

Existem instrumentos jurídicos que permitem deslocalizar a cadeia de logística complementar às infraestruturas portuárias para áreas especializadas, como as plataformas logísticas, diminuindo a conflituosidade com as restantes funções da cidade, garantindo uma qualificação de solo que promova a qualidade de vida, fator cada vez mais importante para a atração e fixação de recursos humanos e investimento direto estrangeiro.

Embora as infraestruturas portuárias assumam uma elevada importância regional, atualmente – com o aumento da escala da atividade – provocam externalidades negativas muito significativas. Deste modo, emerge a necessidade de começar a discutir um sistema de compensações que ressacie os impactos ambientais, económicos e culturais negativos no local em que se insere em benefício da região, o que não acontece em Portugal.

Referencias

 

Bottasso, A.; Conti, M; Ferrari, C; e, Tei, A. (2014), “Ports and regional development: a spatial analysis on a panel of European regions”, Transportation Research Part A: Policy and Practice, V. 65.

 

Coto-Millán, P; Agüeros, M.; Casares-Hontañón, P.; e, Pesquera, M. (2013), “Impact of logistics performance on world economic growth (2007–2012)”, World Review Intermodal Transport, V. 4.

 

Ernst & Young (2019), Porto and Northern Portugal: A magnet for investment.

 

Ferrari, C.; Percoco, M; e, Tedeschi, A. (2010) “Ports and local development: evidence from Italy”, International Journal of Transport Economics, V. 37.

 

Hausman, W.; Lee, H.; e, Subramanian, U. (2013), “The impact of logistics performance on trade”, Production and Oper Management, V. 22.

 

Limao, N e Venables, A. (2001), “Infrastructure, geographical disadvantage, transport costs, and trade”, World Bank Econ Review, V. 15.

 

Monteiro, A., Russo, M., Gama, C., Borrego, C., (2018), “How important are maritime emissions for the air quality: at European and national scale” Environmental Pollution, V. 242.

 

Munim, Z. e Schramm, H. (2018), “The impacts of port infrastructure and logistics performance on economic growth: the mediating role of seaborne trade”, Journal of Shipping and Trade, V. 3.

 

Shan, J, Yu M, Lee C-Y (2014) “An empirical investigation of the seaport’s economic impact: evidence from major ports in China”, Transportation Research Part E: Logistics and Transportation Review, V.  69.

 

Sorte, S.; Arunachalam, S.; Naess, B.;  Seppanen, C.; Rodrigues, V: Valencia, A.; Borrego, C.; M. Alexandra (2019), Assessment of source contribution to air quality in an urban area close to a harbor: Case-study in Porto, Portugal, Science of The Total Environment, V. 662.


Head image: Vista aérea do Porto de Leixões. (© APDL, Mário Rodrigues).

Article reference for citation:
SALGUEIRO Luísa,O planeamento urbano de uma cidade portuária: o caso de Matosinhos e do Porto de Leixões PORTUS: the online magazine of RETE, n.40, October 2020, Year XX, Venice, RETE Publisher, ISSN 2282-5789, URL: https://portusonline.org/pt/o-planeamento-urbano-de-uma-cidade-portuaria-o-caso-de-matosinhos-e-do-porto-de-leixoes/

error: Content is protected !!