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Uma breve história da cidade portuária de Santos no Brasil
Localização da Cidade de Santos
A cidade de Santos está situada no litoral do Estado de São Paulo.
Por ocasião de sua fundação, em 1546, já se constituiu como cidade portuária, condição que mantém até hoje, sediando o principal complexo portuário do Brasil, no estado mais desenvolvido socioeconomicamente do País.
Dados gerais da Cidade de Santos. (Fonte: Prefeitura Municipal de Santos – PMS, Projetos Estruturantes).

Localização da cidade de Santos em relação à São Paulo, capital do Estado de mesmo nome. (Fonte: Prefeitura Municipal de Santos – PMS, adaptada pelo autor).

Sua história se confunde com a história do Brasil, tendo participado ativamente dos ciclos econômicos do pau-brasil, da cana-de-açúcar e do café, também tendo sido polo importante da chegada de imigrantes no século 19 e início do século 20.
Segue um pouco da história da cidade portuária de Santos.
O Tratado de Tordesilhas
O Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494 na cidade espanhola de mesmo nome, definiu os limites de exploração de terras entre os reinos de Portugal e Espanha por meio de um meridiano distante 370 léguas (aproximadamente 1.790 km) a oeste do arquipélago de Cabo Verde.
Tratado de Tordesilhas. (Fonte: Museu Exea; Disponível em: https://museuexea.com.br/o-tratado-de-tordesilhas-1494-dividindo-o-novo-mundo/. Acesso em: 22 Mar. 2025).

Como mostra a imagem anterior, a mudança em relação ao meridiano definido pela Bula Inter Coetera, de 1493, demonstra que os portugueses já consideravam a existência de terras mais a oeste.
O “descobrimento” do Brasil
A chegada oficial dos portugueses ao Brasil ocorreu em 22 de abril de 1500, por meio de uma esquadra de 13 embarcações, com 1.200 a 1.500 tripulantes, comandada por Pedro Álvares Cabral. A chegada da esquadra ocorreu numa região que atualmente faz parte do Estado da Bahia.
As Capitanias hereditárias
Na década de 1530, Portugal, em busca de assegurar a posse das terras no continente americano, por razões comerciais e, sobretudo, pelo risco representado por franceses, que também visitavam as costas brasileiras, comerciando com indígenas, criou o sistema de capitanias hereditárias.
As capitanias hereditárias consistiam numa divisão de territórios, os quais foram entregues a pessoas interessadas em investir em sua exploração, a partir de 1534.
Ao todo, foram criadas 14 capitanias, correspondentes a 15 lotes de terra, que ficaram sob a responsabilidade de capitães donatários.
A Coroa dividiu seu território na América em 15 lotes de terra correspondentes a 14 capitanias e as entregou para os chamados capitães donatários, mantendo sua subordinação ao governo central.
Novo mapa das capitanias hereditárias realizado por Jorge Pimentel Cintra, baseado em estudos recentes. (Fonte: Brasil Escola; Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiab/capitanias-hereditarias.htm. Acesso em: 22 Mar. 2025).

Como pode ser visto na Imagem 4, dois desses lotes correspondiam à Capitania de São Vicente, cujo donatário foi Martim Afonso de Souza.
Em 1532, no território correspondente à Capitania de São Vicente 1, Martim Afonso fundou a Vila de São Vicente, considerada a primeira cidade do Brasil, na ilha que recebeu a mesma denominação.
A fundação da Vila de Santos
Ao que consta, inicialmente as embarcações dos colonizadores atracavam na região atualmente correspondente à orla do Bairro Ponta da Praia, conforme mostra a seguinte imagem.

Cronologia da fundação da Vila de Santos. (Fonte: Google Earth, adaptada pelo autor).
Em 1542, um dos membros da expedição de Martim Afonso, o fidalgo Brás Cubas, mudou a localização do ponto de atracação para águas interiores, estuarinas, abrigadas e, por isso, menos susceptíveis a ressacas e ataques de piratas e corsários de outros países. Ali, ele também criou um dos primeiros engenhos de açúcar da colônia, cujas ruínas ainda são preservadas, como patrimônio histórico.
Nesse novo local, em 1543, é fundado o Hospital de Todos os Santos, o primeiro da colônia, destinado a tratar dos navegantes recém-chegados, num tempo em que as grandes navegações eram um desafio de resistência humana, e dos habitantes da região. Atualmente, esse hospital permanece, denominado Santa Casa de Misericórdia de Santos, referência na Região Metropolitana da Baixada Santista.
Em 1546, provavelmente em 1º de novembro, Brás Cubas funda a Vila de Santos, atual cidade de Santos, que já nasceu portuária, sendo uma das 10 mais antigas do Brasil. No entanto, o aniversário da cidade é comemorado em 26 de janeiro, data da elevação da Vila de Santos à condição de cidade, em 1839. Considerando que todas as cidades mais antigas do Brasil também surgiram como vilas, essa data foi simbolicamente mantida, porém associada ao ano de efetiva fundação da vila.
Os séculos seguintes
A criação da Casa da Alfândega ocorreu em 1550, consolidando as atividades portuárias em Santos.
A ligação entre o litoral e o planalto sempre representou dificuldades logísticas, em função da Serra do Mar, conhecida como “A Muralha”, com seus 700 metros de desnível a serem vencidos.
Consta que o primeiro acesso era feito pela “Trilha dos Goianazes”, indígenas da região. Em 1553, foi aberto outro caminho, menos sujeito a ataques de índios.
Entre os séculos 16 e 17, tempos da União Ibérica (1580 a 1640), Santos foi atacada por ingleses, franceses e holandeses, e sofreu decadência econômica, em função de múltiplos fatores geopolíticos. As condições insalubres da cidade e do porto também desfavorecem a vinda de navios, em função de epidemias que já se manifestavam.
A ligação entre o litoral e o planalto foi significativamente melhorada em 1789, com a criação do “Caminho Calçado do Lorena” ou, simplesmente, “Calçada do Lorena”, estrada com 180 curvas e 9 km de extensão e largura média de 3 metros, pavimentados com pedras. Trechos dessa obra ainda existem, preservados.
A partir do início do século 19, a produção de açúcar é retomada em cidades da região planaltina, o que favoreceu o porto santista. Ainda nessa época, as instalações portuárias eram precárias, constituídas por trapiches (armazéns) e pontes de madeira operados independentemente por particulares.
O ano de 1808 foi particularmente importante para o Brasil, que, de Vice-Reino, tornou-se sede da Coroa Portuguesa, com a vinda da Corte, fugindo das guerras napoleônicas. Essa transferência promoveu o desenvolvimento do Brasil, com destaque para a abertura dos portos para o comércio com nações amigas de Portugal, em 1810. Obviamente, o porto de Santos foi beneficiado.
Em 1821, com o retorno de D. João VI a Portugal, políticos portugueses exigem o retorno do Brasil à condição anterior, dando início ao processo que resultou na Proclamação da Independência do Brasil, que teve no santista José Bonifácio de Andrada e Silva, eminente político e cientista internacionalmente renomado, como um de seus principais articuladores, motivo pelo qual passou a ser considerado “Patriarca da Independência”, que ocorreu em 7 de setembro de 1822.
O café já se constituía num produto de exportação. Produzido majoritariamente em terras do Planalto Paulista, o porto de Santos passou a ser o caminho natural para seu escoamento.
Carregadores de café a caminho da cidade. J. B. Debret, 1826. (Fonte: Acervo Museu Castro Maya (Disponível em: http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=21556&quadro—carregadores-de-cafe-a-caminho-da-cidade.html. Acesso em: 22 Mar. 2025).

Em 17 de fevereiro de 1827, é inaugurada a estrada de rodagem de Santos para São Paulo, incrementando o desenvolvimento do porto, da cidade de Santos e da Província (Estado) de São Paulo.
A Capitania dos Portos de São Paulo foi criada em 1847.
A Estrada da Maioridade, nova ligação entre o litoral e o planalto, é concluída em 1852. Seu trajeto, menos sinuoso do que o da Calçado do Lorena, permitiu o tráfego de veículos de carga e passageiros.
A construção de uma ferrovia entre São Paulo e Santos já vinha sendo pensada desde 1838, porém, a obra só foi iniciada em 1860, sob responsabilidade da São Paulo Railway Co., companhia inglesa. Inaugurada em 16 de fevereiro de 1867, ela representou significativo incremento no comércio e na indústria de São Paulo e no desenvolvimento da cidade de Santos. O porto de Santos se consolidou como o principal exportador de café, o “ouro verde”.

O viaduto da Serra e Estação do Valongo, em Santos. (Fonte: Por Falar em História e PMS).

Ferrovia no Porto de Santos em fins do século 19. (Fonte: Cidade da Cultura).
A imagem anterior mostra que ainda predominavam os trapiches e pontes de madeira precários, operados independentemente por particulares.
A pujança do comércio do café levou à criação da Associação Comercial de Santos – ACS, em 1870, que assumiu protagonismo nesse e em outros negócios da cidade e região.
Cidades portuárias são historicamente cosmopolitas, polos de integração de culturas e de ideias. Santos não foi diferente, tanto no processo de independência do Brasil, como em iniciativas no âmbito da abolição da escravidão no país.
Sobre o tema da escravidão, capítulo triste da histórica de qualquer civilização, a Cidade de Santos, muito em função de seu porto, teve certo protagonismo em ações abolicionistas.
Cidades portuárias tradicionalmente “portas” de entrada de novas ideias, de reflexões decorrentes do intercâmbio entre diferentes povos.
Não foi deferente em Santos, e um exemplo é emblemático é o de José Bonifácio de Andrada e Silva, cientista e político brasileiro nascido em Santos, em 1763.
Nascido em família abastada, ainda nos tempos em que o Brasil era uma colônia de Portugal, José Bonifácio teve educação esmerada, inclusive na Metrópole, o que incluiu estudos em outros países.
De volta ao Brasil, ele teve fundamental participação no processo que levou à independência do Brasil. Por conta desse papel é considerado o “Patriarca da Independência”.
Foi um dos precursores da libertação de escravos e, durante a primeira Assembleia Constituinte do Brasil, em 1823, propôs a libertação gradual dos escravos e a catequização de indígenas, defendendo sua integração à sociedade luso-brasileira.
Um dos trechos de sua argumentação foi:
A sociedade civil tem por base primeira a justiça, e por fim principal a felicidade dos homens. Mas que justiça tem um homem para roubar a liberdade de outro homem, e o que é pior, dos filhos deste homem e dos filhos destes filhos? (MOTA, 1999).
Infelizmente, a proposta de José Bonifácio só efetivada em 1888, com a abolição efetiva da escravidão no Brasil. No entanto, a causa abolicionista progrediu em Santos, muito em função do trabalho braço a braço no porto, que aproximou e igualou trabalhadores, inspirando companheirismo e solidariedade.
Embora não conste que uma lei de abolição da escravatura em Santos tenha sido promulgada, consta que uma entidade abolicionista local, denominada Sociedade Emancipadora 27 de Fevereiro, criada em 1886, passou a atuar firmemente nesse intuito.
Antes disso, em 1859, já havia iniciativas com esse propósito:
Entidades com distintos fins também se aliavam à luta pela igualdade. Fundada em Santos, em agosto de 1859, por vinte portugueses, a Sociedade Portuguesa de Beneficência D. Pedro V era uma associação destinada a prover o bem estar entre seus compatriotas. A Sociedade Portuguesa inaugurou, em 6 de janeiro de 1878, o Hospital da Sociedade Portuguesa de Beneficência, onde já se praticava o ideário abolicionista (FRANCO, 1951:196-197).
Mulheres tiveram importante papel nesse processo. Ao que consta, a primeira delas foi Francisca Amália de Assis Faria, que abrigava escravos fugitivos em sua casa. Também merece destaque Anna Benvinda da Silva Bueno, que presidiu uma sociedade fundada em 1870, cujo objetivo era de alforriar moças escravas. A sociedade se chamava A Emancipadora.
Segundo o Portal da Prefeitura de Santos:
Em Santos, segundo pesquisa realizada pela professora de História do Brasil da UniSantos, Wilma Therezinha F. Andrade, pelo menos seis quilombos surgiram no século 19. O mais famoso da história paulista foi o de Jabaquara, também conhecido como Vila Redenção, que acolhia milhares de escravos refugiados, vindos das fazendas de café do planalto paulista. No reduto, os negros empregavam sua força, principalmente, nos serviços do porto e da Cidade. (PMS, 2001).
O porto teve um importante papel nesse processo, como pode ser visto, mas também teve desdobramentos culturais que marcaram a história musical da cidade de Santos e do Estado de São Paulo.
O lazer era desfrutado com muito samba, fandango e batuque.
O Quilombo do Pai Filipe, velho rei africano, foi o primeiro batuqueiro da Cidade, localizado na atual Vila Mathias junto à encosta do Monte Serrat. Ele foi considerado o Rei Batuqueiro e um dos pioneiros do samba paulista. No local, os negros se reuniam aos sábados e domingos para tocar e dançar. Na área continental da Cidade, estava o Engenho dos Quilombos, antiga instalação do Engenho de N. Sª do Quilombo, ocupada por ex-escravos. Além destes, o Sítio do Icanhema, a Casa de Geraldo Leite da Fonseca e Santos Garrafão, considerado o quilombo mais urbano, eram pontos de refúgio no Município. (PMS, 2001).
José Bonifácio era também era um estadista, estrategista e visionário.
Enquanto a América Espanhola se fragmentava em países, alguns dois quais mantêm relações complexas até o presente, José Bonifácio, atuou para que tal não ocorresse com o Brasil. A ideia do País se configurar como um império foi fundamental para assegurar suas fronteiras, mantendo sua integridade territorial e cultural.
Também foi dele a ideia de interiorizar a capital do País, algo que só ocorreu em 1960, com a transferência da sede do Governo Federal para Brasília.
Primeiro hospital, berço do Patriarca da Independência e pioneira no movimento abolicista: não à toa o lema da cidade é Patriam Charitatem et Libertatem Docui (À Pátria ensinei a Caridade e a Liberdade).
Entretanto, Santos permanecia insalubre, representando riscos para sua população e para os tripulantes de embarcações internacionais, cujos armadores criticavam as condições sanitárias do porto.
Em 1872, Santos passou a contar com transporte público com bondes com tração animal. Em 1885, também passa a contar com serviços de telefonia. O ano de 1888 marca a implantação de água encanada e iluminação a gás, porém, a falta de rede de coleta de esgoto, a quantidade de cocheiras e a incipiente coleta de lixo tornaram a cidade propícia a epidemias. Tanto é que, entre 1880 e 1890, aliada ao crescimento demográfico e das operações portuárias, ocorreram epidemias de febre amarela, varíola, tuberculose, peste bubônica e impaludismo, o que resultou na alcunha de “Porto Maldito”. Em 1889, o porto de Santos chegou a ser fechado.
Em 1893, epidemias simultâneas de febre amarela e varíola resultaram em mais de 1.600 mortes sem qualquer distinção. A peste bubônica assolou Santos em 1899.
Na virada do século XIX para o XX, Santos adquiriu centralidade devido à ampliação das exportações da produção cafeeira e da entrada de mercadorias importadas, somadas ao expressivo contingente de viajantes, imigrantes e migrantes que chegavam à cidade. Os velhos problemas urbanos foram ampliados com o crescimento desordenado do movimento portuário e da população, enfrentando as dificuldades dos ancoradouros desarranjados, precária vigilância sobre as embarcações, ruas estreitas com trânsito intenso de carroças, elevado número de cocheiras e cortiços, agravamento das condições ambientais e fazendo com que tornassem constantes os surtos de epidemias. (CARMO e MATOS, 2022).
Embarque de café no porto de Santos, em 1880. (Fonte: Novo Milênio. Foto: Marc Ferrez).

A necessidade de investimentos para saneamento da cidade e melhoria das condições operacionais do porto foi contemplada no final do século 19.
Decreto Imperial de 1888 institucionalizou a figura do porto organizado, tendo o de Santos como pioneiro. O regime seria de concessão à iniciativa privada.
A Proclamação da República, em 1889, manteve essa determinação, sendo que em 1890, após processo licitatório, foi criada a Companhia Docas de Santos – CDS, que assim obteve a concessão do porto por 90 anos.
Em 1892, a CDS inaugurou os primeiros 260 m de cais de gravidade na região do Valongo, dando início a um contínuo processo de expansão e modernização de instalações e operações.
Quase que simultaneamente, a Província de São Paulo investiu no saneamento público até a década de 1920, que resultou na implantação de redes de coleta e destinação de esgotos, e de drenagem, com a construção dos canais que hoje são os principais marcos urbanos da cidade de Santos.

Canal 1 em 1907 e atualmente. (Fonte: Revista Nove e Santos Cidade; @dronefabiano68).
A construção dessas obras permitiu a expansão urbana da área insular de Santos, que passou a ter progressivo aumento de sua densidade demográfica.
Em 1890, Santos tinha aproximadamente 13 mil habitantes. Com a pujança das exportações de café e, por conta disso e do afluxo de imigrantes, que chegavam principalmente da Europa, e do estabelecimento de consulados estrangeiros, em 1900 a população já alcançava mais de 50 mil habitantes, já com o início das obras de saneamento.
Além de sediar o Porto de Santos, a cidade também se tornou polo de outras atividades, incluindo turismo, educação, cultura, saúde e comércio, incluindo a prestação de serviços associados. Em função disso, Santos assumiu a condição de polo da Região Metropolitana da Baixada Santista, que inclui nove municípios, com quase dois milhões de habitantes.

Jardins da orla de Santos. (Fonte: Tripadvisor).
O processo de urbanização em direção à orla culminou com a construção dos jardins da praia, a partir da década de 1930, até sua configuração atual de seu tipo, no mundo, segundo o Guinness Book of Records.
No âmbito esportivo, Santos tornou-se referência nacional na prática de várias modalidades, com destaque para futebol, basquete, voleibol, natação, judô e iatismo, entre outras. Em Santos, foi criado o tamboréu, conhecido como “esporte pandeiro”, tradicionalmente praticado nos 7 km de praias, onde também é jogado futebol de areia.
No caso específico do futebol, o Santos Futebol Clube foi fundado em 1912; O Jabaquara Atlético Clube (inicialmente Hespanha FC), em 1914; e a Associação Atlética Portuguesa, em 1917, todos fundadores da Federação Paulista de Futebol, em 1941.
Alguns dos grandes jogadores da história do Santos FC, com destaque para Pelé, o “Atleta do Século 20”. Também aparecem Pepe, Léo, Paulo Henrique “Ganso”, Carlos Alberto Torres, Serginho “Chulapa”, Gilmar dos Santos Neves, Robinho e Neymar Jr. (Fonte: Globo Esporte).

O grande futebolista Roberto Rivelino, então jogador do Sport Club Corinthians Paulista, acostumado a perder do Santos FC de Pelé, certa vez comentou com um colega, no campo, ao ver aqueles magníficos jogadores, a maioria negros, entrarem em campo, com seus uniformes brancos, teria dito: “Já estamos perdendo de 1 x 0”.
Santos perde sua autonomia política
Os anos de 1960 foram turbulentos para a cidade de Santos.
Nos anos de 1960, Santos era conhecida pelos militares como “cidade vermelha”, em razão da intensa movimentação sindical, sobretudo de trabalhadores do porto e da construção civil.
O Brasil era objeto de uma disputa ideológica entre os Estados Unidos da América do Norte e a União Soviética, o que também ocorria em toda a América Latina, África e Ásia. Era a Guerra Fria e Santos, por sua importância estratégica para o País, era um teatro singular desse conflito que, além de vítimas, também teve outras sequelas.
Essa disputa político-ideológica resultou em intervenção do militar no município, com a cidade sendo declarada de segurança nacional, em 1968, em razão do Porto de Santos, perdendo sua autonomia, só recuperada em 1983.
É de triste memória o navio Raul Soares que, atracado no Porto de Santos, serviu de prisão política.
Várias entidades sofreram intervenções ou foram desativadas.
O regime militar governou o Brasil entre 1964 e 1985. O rígido controle estabelecido contrastava com o que ficou conhecido como “Milagre Brasileiro”, período em que várias obras estruturais foram implantadas no País, incluindo investimentos em transportes, industrialização e geração de energia.
No âmbito da cidade, o ano de 1968 marcou a promulgação do primeiro Plano Diretor do Município, porém, o zoneamento municipal nem sempre foi respeitado, em razão da intervenção federal, gerando conflitos na relação porto-cidade, associados à expansão do porto e ao adensamento urbano.
Em 1973, foi inaugurado no Porto de Santos o primeiro “corredor de exportação” do Brasil, destinado ao escoamento da produção agrícola, com ênfase em soja em grãos e farelo, farelos cítricos e milho. O porto continuava a ser operado por uma empresa privada, mas os investimentos seguiam os objetivos estratégicos do governo central, como Poder Concedente, o que perdura até a atualidade.
O Porto de Santos voltou a ser operado diretamente pelo Governo Federal em 1980, após o fim da concessão à CDS. Em 1982, foi implantado o primeiro e ainda maior terminal de contêineres do Brasil, o TECON SANTOS, atual Terminal da Santos Brasil, no município de Guarujá, na margem esquerda do Canal do Estuário.
Sempre protagonista no sistema portuário nacional, o Porto de Santos já operava contêineres desde a década de 1970.
Paradoxalmente, a cidade e o Porto de Santos foram beneficiados socioeconomicamente nesse processo, por conta do incremento de exportações e importações. O trabalho portuário viveu um extenso período de valorização profissional, e acidade viveu um período de aparente estabilidade social.
A modernização das operações portuárias e seus impactos na cidade
Lei federal de 1993 manteve as companhias docas como Autoridades Portuárias e responsáveis pela administração dos portos públicos, transferindo as operações para o setor privado, mediante arrendamentos. O objetivo era modernizar as operações e equipamentos.
Os trabalhadores portuários se respaldaram na Convenção nº 137 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, para tentarem manter seus postos de trabalho.
Esse processo teve significativo impacto social, na medida em que houve importante redução na demanda por mão de obra braçal, gerando tensões preocupantes.
Milhares de trabalhadores portuários perderam suas funções, e a economia das cidades de Santos e Guarujá foi significativamente afetada.
Essa legislação criou os Conselhos de Autoridade Portuária – CAPs, de caráter deliberativo, e os Órgãos Gestores de Mão de Obra – OGMOs, substituindo a escalação e remuneração de trabalhadores portuários avulsos anteriormente feita pelos sindicatos laborais.
Os CAPs possuíam quatro blocos, a saber: governamental, incluindo União, Estado e Municípios (Santos e Guarujá, no caso do Porto de Santos); dos operadores portuários (empresarial); dos trabalhadores portuários (laboral); e dos usuários do Porto de Santos. Esse fórum possibilitou uma transição relativamente tranquila do processo.
Em 2013, a revisão da legislação de portos retirou o caráter deliberativo dos CAPs, reduzindo-os à condição de órgão consultivo, além de permitir que terminais privados também pudessem operar cargas de terceiros, gerando competição direta com os portos públicos.
O fato é que, apesar de todas as impedâncias legais e competitivas existentes no Brasil, a movimentação de cargas no Porto de Santos, que em 1993, era de 34 milhões de toneladas por ano, em 2024 chegou a cerca de 180 milhões de toneladas, com viés de crescimento.
Em movimentação de contêineres, o Porto de Santos alterna a liderança na América Latina com o de Colón, no Panamá. Em 2024, o complexo portuários de Santos movimentou 5,4 milhões de TEUs.
O Porto de Santos e a economia regional
Entre 35 e 50 mil pessoas trabalham direta e indiretamente no Porto de Santos, sendo que as atividades portuárias correspondem a cerca de 2/3 da arrecadação de Impostos sobre Serviços das cidades de Santos e Guarujá.
Além disso, medidas compensatórias relativas a obras de implantação ou expansão de terminais portuários têm resultado na implantação de equipamentos públicos e urbanizações, que têm contribuído significativamente para a melhoria da qualidade de vida da população.
A Prefeitura de Santos almeja diversificar suas atividades econômicas, investindo em turismo de lazer, esportivo e cultural, favorecendo a construção civil, inclusive de habitações para população de baixa renda.
Um projeto especialmente importante, associado ao complexo portuário, é a atração de atividades de porto-indústria, com ênfase em Zonas de Processamento de Exportação, que terão múltiplos impactos positivos na arrecadação de tributos, no setor de serviços e na geração de empregos em quantidade e qualidade, os quais permitirão que egressos das várias escolas técnicas e universidades da região encontrem mercado de trabalho local.
Outro aspecto relevante dessa proposta é que trabalhadores portuários cujas funções forem descontinuadas em razão da modernização das operações portuárias poderão ser qualificados para atuar em novas profissões, o que não impede que sejam treinados para as novas funções que serão criadas.
No entanto, encontram-se em curso a revisão da legislação portuária e uma reforma tributária, que podem gerar problemas na relação capital-trabalho e impactos nos orçamentos de estados e municípios ainda não plenamente esclarecidos.
As atividades portuárias permanecerão relevantes como fontes de arrecadação de tributos e geração de milhares de empregos.
O turismo de cruzeiros
O Porto de Santos tem a maior operação de cruzeiros marítimos do Brasil, sendo que na temporada 2023-2024 mais de um milhão de passageiros embarcaram/desembarcaram em seu terminal especializado.

Operação de cruzeiros marítimos no Porto de Santos. (Fonte: Juicysantos).
Outro desafio da cidade de Santos é ampliar a estada dos turistas de cruzeiros, articulando pacotes de atrações com os receptivos locais e agências de viagem.
O Centro Histórico de Santos vem sendo objeto de várias intervenções urbanísticas, recuperação de patrimônio histórico e eventos culturais, que têm atraído cada vez mais público local e turistas.
O cais do Valongo, onde nasceu o Porto Organizado de Santos, não era utilizado para operações portuárias desde 1988. Abandonado e em ruínas, sua condição prejudicava as intervenções e investimentos feitas nas áreas urbanas.
A solução dependia da solução de um impasse jurisdicional, pois o porto é federal.
Como um expressivo exemplo do atual estágio da relação porto-cidade em Santos, o Parque Valongo, iniciativa conjunta entre a Autoridade Portuária de Santos, a Prefeitura de Santos e operadores portuários privados, restaurou os armazéns e implantou quadras de esportes, parque infantil, píeres e áreas de contemplação.
Alguns chamam o Parque Valongo de nosso Puerto Madero, embora hajam diferenças significativas em relação a esse precioso complexo de Buenos Aires.
Recém-inaugurado, o Parque Valongo vem sendo progressivamente utilizado para eventos públicos, feiras e espetáculos artísticos, compondo com o Centro Histórico de Santos e favorecendo à reocupação de edificações com habitações e atividades comerciais.
Mas o principal ainda está por vir, que é a transferência do atual terminal de cruzeiros para a região do Valongo, compondo definitivamente um conjunto arquitetônico-urbanístico de referência mundial.
Ônus e bônus
No caso específico de Santos, essa simbiose entre porto e cidade tem seus ônus e bônus.
Existem projetos de lei e de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional, que preveem a destinação de recursos financeiros para cidades portuárias, em moldes similares aos royalties decorrentes de exploração de petróleo e gás, extrativismo mineral e produção de energia hidrelétrica, mas nenhum deles prosperou até a data de elaboração deste artigo.
Afora a possível disponibilização desses recursos financeiros, a solução para os problemas vem sendo alcançada de forma proativa e colaborativa. A evolução desse processo acena para o planejamento urbano-portuário conjunto a partir do entendimento de que o porto é federal, mas que os impactos positivos e negativos ocorrem nas cidades que o sediam.
Esse entendimento tende a favorecer ambos, o que pode melhorar ainda mais o cenário existente, que mostra dados bastante interessantes, tais como: a cidade de Santos tem um IDH 0,840 (muito alto), ocupando a 3ª posição entre as cidades do Estado de São Paulo, e 6ª no Brasil.
Segundo o levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2021), o PIB de Santos era de R$ 24,1 bilhões, superior ao de 9 capitais brasileiras.
O Censo Demográfico 2022, do IBGE, entre outros dados apontou que Santos é a cidade que concentra o maior número de mulheres no Brasil: de uma população então estimada em 418 mil habitantes, 228,8 mil eram do sexo feminino. Enquanto a média nacional era de 51,5% de mulheres, em Santos, esse percentual alcançava 54,68%, o que representa 82,9 homens para cada 100 mulheres no Município. Ao que consta, essa proporção vem sendo mantida, não apenas em percentual, mas participação efetiva no mercado de trabalho, em todos os setores.
O porto e a cidade têm potencial para expansão sustentada, sendo que a área continental de Santos foi considerada ideal por estudos realizados pela Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia – FDTE, ligada à Universidade de São Paulo – USP, e pela empresa ALG, contratada pelo Governo Espanhol, ambos na década de 2010.
Santos e atividades de porto-indústria
Aprofundamento um pouco mais o tema anteriormente mencionado, a proximidade de polos industriais de complexos portuários é comum nos principais portos do mundo, pela redução de custos logísticos que representa, além de reduzir sensivelmente a emissão de poluentes decorrente das operações de transporte.
A cidade de Santos está apta a sediar uma Zona de Processamento de Exportação – ZPE desde 2017, e vem fazendo gestões para viabilizá-la, agregando tecnologia e valor à carteira de produtos exportados pelo Porto de Santos, gerando empregos melhores qualificadas em todos os níveis, tendo como premissa o desenvolvimento sustentado, ou seja, o equilíbrio entre aspectos ambientais, sociais e econômicos.
Com isso, o mercado de trabalho favorecerá os egressos das inúmeras escolas técnicas e universidades existentes em Santos e região, também fomentando pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, contribuindo significativamente para a diversificação da carteira de exportações do Porto de Santos, e para a melhoria da qualidade de vida da cidade e para a economia regional, estadual e nacional.

Visão parcial da cidade e porto de Santos. (Fonte: Conexos).
Considerações finais
Concluindo, por tudo o anteriormente exposto, a cidade de Santos apresenta inúmeros e importantes diferenciais, que merecem destaque:
Santos é considerada a cidade mais verticalizada do país, o que não chega a ser necessariamente um fator positivo, pois decorre da especulação imobiliária. No entanto, isso também denota a crescente busca pela qualidade de vida que a cidade proporciona.
Prova disso são as avaliações feitas por institutos e consultorias nacionais e internacionais que atribuíram a Santos a condição de “Melhor cidade brasileira para se viver” (Consultoria Delta & Finance/América Latina), “Melhor cidade brasileira para quem tem mais de 60 anos” (Fundação Getúlio Vargas), “Segunda melhor cidade do Brasil para criar filhos” (Portal Exame); “Uma das melhores cidades brasileiras para se fazer negócio” (Urban Sustem/Revista Exame); 8ª posição no “Ranking Connect Smart Cities” de 2023, entre 656 municípios com mais de 50 mil habitantes, no eixo de Urbanismo, que define as cidades com maior potencial de desenvolvimento do Brasil; 10ª cidade mais competitiva no “Ranking de Competitividade dos Municípios de 2023”, dentre 410 cidades com mais de 80 mil habitantes, ocupando a primeira posição geral na área de Saneamento.
Santos conta com moderno transporte por Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ligando a cidade com a vizinha São Vicente e, futuramente, às cidades de Praia Grande e Guarujá, esta última via túnel sob o Canal do Estuário, uma ligação de mobilidade interurbana aguardada ao menos desde 1927.
Esse túnel, obra pioneira no Brasil, será executado em função de uma Parceria Público-Privada, custeada de forma equilibrada entre os governos estadual e federal, que reduzirá sensivelmente o tempo de percurso terrestre entre a porção insular de Santos, sua área continental e a cidade de Guarujá, bem como do atual sistema de balsas e barcas que fazem a travessia entre essas cidades.
Com essa obra, a população, além de poder utilizar transportes coletivos (ônibus e VLT), ficará menos sujeita às interrupções recorrentes no sistema aquaviário, por motivos climáticos e do tráfego de embarcações que acessam o Porto de Santos.
A questão climática também é um tema prioritário na cidade, que foi pioneira na produção de um Plano de Ação Climática, que chamou a atenção do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e da GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit, empresa federal alemã de cooperação técnica.
Partiu da cidade de Santos a sugestão para que o sistema portuário nacional também fosse considerado nos estudos relativos aos impactos da mudança do clima, o que vem ocorrendo.
Outras informações podem ser obtidas no endereço: https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/rankings-indices-e-premios-em-2024-comprovam-santos-entre-as-melhores-do-pais.
Por ter um território majoritariamente plano, a cidade favorece o uso de bicicletas e afins, sendo dotada de ampla rede de ciclovias, ciclofaixas e vias cicláveis.

Aspectos das ciclovias de Santos. (Fonte: Cidade e Cultura).
Também dispõe de ampla rede hoteleira e de equipamentos para eventos em nível nacional e internacional.
A proximidade do futuro aeroporto regional, em Guarujá, também propiciará o incremento do turismo de lazer e empresarial, conectando Santos ao Rio de Janeiro e Brasília, entre outras importantes cidades.
Santos é considerada uma das cidades mais seguras do País, com milhares de câmeras de vigilância instaladas em várias ruas e equipamentos públicos, que auxiliam na prevenção e ação das autoridades do setor, além de sistema de trânsito inteligente, ambos com crescente utilização de tecnologias, controlados por seu Centro de Controle de Operações (CCO).
Existem outros projetos em andamento.
Não à toa, Santos vem sendo considerada a “Miami brasileira”. Mas Santos é muito mais, pois tem um “charme” próprio e um dinamismo e visão de futuro inesgotáveis.
IMAGEM INICIAL | Orla de Santos. (Fonte: Turismo Santos).
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REFERÊNCIAS
CARMO, Bruno Bortoloto do; MATOS, Maria Izilda Santos de. 2022. Um “Porto Maldito”: Epidemias, cotidiano e medo – Santos (1880 – 1900). In. Rev. Hist. (São Paulo) (181), 2022.
FRANCO, Jaime. 1951. A Beneficência. Memória histórica da Sociedade Portuguesa de Beneficência e contribuição para a história de Santos. Santos: ed. do autor, 1951.
MOTA, Carlos Guilherme. 1999. Ideias de Brasil: formação e problemas (1817-1850). In.: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Viagem incompleta: a experiência brasileira. São Paulo: Editora Senac, 1999, p. 202.
PMS. 2001. Santos abrigou seis quilombos. Portal da Prefeitura de Santos. Disponível em: https://www.santos.sp.gov.br/?q=noticia/santos-abrigou-seis-quilombos#:~:text=O%20anseio%20pela%20liberdade%20instigava,quilombos%20espalhados%20pelo%20territ%C3%B3rio%20nacional. Acesso em: 16 Abr.2025.