╔
Novos desafios para o Porto de Leixões
Entrevista com João Pedro NEVES, Presidente da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo
Quero agradecer especialmente ao Presidente da APDL, Sr. Eng. João Pedro Neves, pela gentileza em me receber e em conceder esta entrevista para a revista PORTUS.
Gostaria de começar por felicitá-lo pela recente nomeação para Presidente do Conselho de Administração da APDL, desejando-lhe todo o sucesso para este tão desafiador e relevante desafio.
ENTREVISTADOR | José Luis ESTRADA, Diretor de PORTUS
ENTREVISTADO | João Pedro NEVES, Presidente da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo
Depois de vários anos a trabalhar noutros setores, regressa agora à APDL, onde já trabalhou durante 14 anos, como Presidente do Conselho de Administração. Como viu e como vê hoje o Porto de Leixões? Quais são as mudanças no porto que mais destaca na atual conjuntura?
O aspeto mais marcante neste regresso ao Porto de Leixões foi sem dúvida reencontrar muitas das pessoas com quem trabalhei anteriormente e constatar que mantiveram o seu espírito de dedicação e empenho à empresa, o qual muito tem contribuido para que a APDL seja uma das melhores empresas de Portugal.
Nos últimos anos a APDL mudou muito, desde logo porque em 2015 a empresa passou a assegurar também a gestão do Porto de Viana do Castelo e de toda a Via Navegável do Rio Douro e, mais recentemente, a gestão do Terminal Ferroviário de Leixões e da Guarda. Este novo contexto trouxe novos desafios e compromissos com um maior número de stakeholders, e, portanto, a empresa tem hoje uma dimensão muito superior.
Por outro lado, noto que o Porto de Leixões tem-se empenhado em promover a sustentabilidade, acompanhar a transição energética e apostar na digitalização, correspondendo aos principais desafios societais que hoje se exigem aos portos.
O que mais impactou a atual situação do Porto de Leixões foi, sem dúvida, o encerramento da Refinaria de Leça da Palmeira que implicou uma diminuição de quase 5 milhões de toneladas de carga movimentada por ano.
Que papel pensa que o Porto de Leixões desempenha atualmente no contexto dos portos portugueses? E no contexto ibérico e europeu?
O Porto de Leixões desempenha um papel significativo no contexto dos portos portugueses. Localizado na cidade de Matosinhos, próximo dos maiores centros industriais e comerciais de Portugal e ao mesmo tempo implantado na fachada Noroeste da Península Ibérica, o Porto de Leixões é um importante hub logístico para a importação e exportação de mercadorias e representa 6% do PIB e emprego nacional e 11% do PIB e emprego da região Norte de Portugal.
Embora o Porto de Leixões tenha maior destaque no contexto português, no contexto ibérico, o Porto de Leixões serve como um importante ponto de conexão para o comércio entre Portugal e a Espanha. A proximidade geográfica entre os dois países permite que o porto facilite a distribuição de mercadorias e o intercâmbio comercial entre eles.
No contexto europeu, embora não seja um dos portos mais proeminentes em termos de tamanho ou volume de carga, o Porto de Leixões contribui para a conectividade marítima e comercial dentro do continente.
Quais são os desafios mais importantes que o Porto de Leixões enfrenta?
O principal desafio do Porto de Leixões está relacionado com a sua infraestrutura uma vez que as áreas disponíveis para o armazenamento de carga e os cais existentes poderão atingir, nos próximos anos, o limite da sua capacidade, para garantir uma resposta eficiente às necessidades das empresas do seu hinterland. Essa aposta em novas infraestruturas tem de ser concretizada tendo sempre presente a melhoria da relação do Porto com a cidade de Matosinhos que também tem crescido muito em redor do Porto.
Por outro lado, o Porto de Leixões também terá de dar resposta aos principais desafios societais do nosso tempo designadamente, a transição energética e a digitalização.
Relação do Porto de Leixões com a cidade de Matosinhos e com as suas infraestruturas. (Fonte: APDL).
Que medidas prevê a APDL para incremento da competitividade do Porto de Leixões?
A APDL tem em curso projetos cruciais que vão contribuir para o aumento da competitividade do Porto de Leixões.
A obra de prolongamento do quebra-mar traduz uma melhoria das acessibilidades marítimas ao Porto de Leixões e irá permitir receber 70% da frota mundial de navios de contentores.
O projeto de um novo terminal de contentores que, para além de permitir aumentar a eficiência das operações, permitirá um aumento significativo da capacidade instalada, garantindo uma resposta adequada do Porto de Leixões às necessidades da região por muitos anos.
A obra, prestes a arrancar, de reabilitação do cais acostável da Doca 1 Norte, irá disponibilizar mais comprimento de cais acostável e acrescentar mais área de terrapleno portuário para armazenamento de carga.
Por outro lado, a APDL mantém a sua aposta de sempre na digitalização dos processos e na disponibilização de serviços digitais aos utilizadores do Porto de Leixões, tornando-o cada vez mais eficiente.
Outras medidas de reforço da sua competitividade surgirão no âmbito do processo de revisão do plano estratégico de desenvolvimento do Porto de Leixões, cuja elaboração está neste momento em curso.
Que principais ações está a APDL a adotar ou a planear adotar em relação ao ambiente no Porto de Leixões? E no que diz respeito à economia circular em particular?
A APDL está a implementar um Roteiro de Transição Energética que estabelece ações concretas, destinadas a fazer do Porto de Leixões um porto mais sustentável, baseado em fontes de energia renovável e de baixa emissão de carbono. O objetivo principal dessa transição energética é reduzir a dependência de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, e adotar fontes de energia mais limpas e renováveis, como energia solar, eólica, e eventualmente das ondas.
A APDL tem o objetivo ambicioso de atingir neutralidade carbónica até 2035, o que revela bem a importância que atríbuimos às questões ambientais. Recordo que os Estados membros da UE assumiram o compromisso, estipulado no chamado European Green Deal, para tornar os países europeus a primeira zona libre de emissões no Mundo em 2050.
No que se refere à economia circular, o Porto de Leixões desde há muitos anos que tem implementado processos de recolha seletiva de resíduos e garante o seu encaminhamento para reciclagem. Isso inclui materiais como papel, plástico, vidro e metais.
Ainda na vertente da economia circular o Porto de Leixões assume um papel fundamental na atividade de algumas indústrias que são intensivas em ações de economia circular, como é o caso da Siderurgia Nacional que importa sucata e fabrica aço em varão que é exportado através do Porto de Leixões.
Qual é a estratégia preconizada da APDL na área da digitalização? Já está a trabalhar num modelo de porto inteligente e digital para Leixões e no seu desenvolvimento futuro?
Sim. Os portos sendo parte das cadeias de transporte e logística globais, sendo por si mesmos um agregado de empresas e negócios, estão numa posição única para desempenhar um papel fundamental na transformação digital que o sector tem vindo a desenvolver.
A APDL vem vindo a promover diversas atividades para o desenvolvimento de um porto inteligente, digital e conectado, desde logo incorporando no seu plano estratégico a adoção destas tecnologias nos seus processos de negócio, fundamentais para a operação, mas também no apoio à transição energética – outro dos pilares da estratégia.
Destas atividades, podemos dar como exemplos alguns projetos desenvolvidos recentemente: desde logo o desenvolvimento do projeto da Janela Única Logística em curso, o projeto de DIGITAL TWIN no caso de utilização de monitorização de cargas perigosas, o piloto 5G realizado em conjunto com o operador NOS, o centro de simulação da APDL onde temos disponível simuladores avançados imersivos, com diferentes cenários, condições de operação e navios, para treino de pilotos, de mestres e de operadores de equipamento de movimentação de carga.
Como avalia as atuais relações entre o porto e o Município de Matosinhos?
A relação atual da APDL com o Município de Matosinhos tem sido de proximidade e de cooperação, sempre com o propósito de alcançar o desenvolvimento sustentável da região como um todo.
Temos atualmente um canal de comunicação aberto e transparente, que permite o diálogo e a participação ativa de todos para que cada um expresse as suas preocupações, partilhe informação e contribua para a tomada de decisões.
Esta relação potencia uma boa integração entre o planeamento urbano e o desenvolvimento portuário, essencial para garantir a qualidade de vida da população local e criar um ambiente favorável ao crescimento económico da região.
Entendemos que o desenvolvimento do porto deve ser uma oportunidade de crescimento e progresso para a cidade envolvente. Os benefícios económicos, sociais e ambientais gerados pelas atividades portuárias devem ser compartilhados com a comunidade local. Para isso, temos um caminho a percorrer que passa por aumentarmos os nossos programas de responsabilidade social corporativa e procurarmos solução para investimentos em projetos de melhoria da qualidade de vida da população.
Os navios de cruzeiro são geralmente um tipo de tráfego de grande interesse para as cidades portuárias. Como é que o Porto de Leixões vê este tráfego? Quais são, na vossa perspetiva, as principais vantagens e desvantagens, se houver?
O turismo de cruzeiros, sobretudo nas últimas duas décadas, tem-se revelado um produto turístico com enorme potencial de atração. Reflexo desta tendência pode ser verificado no Porto de Leixões que fez um grande investimento nesta área de negócio, com o projeto do Terminal de Cruzeiros, cais, edifício e acessos e o retorno tem sido muito positivo. Numa década, o Terminal registou uma curva ascendente com médias de crescimento anual na ordem dos dois dígitos, por parte de navios de cruzeiros (11%/ano) e aumento exponencial de passageiros (23%/ano). O porto passou de 17.000 passageiros em 2009, para 118.000 passageiros em 2018 e em 2023 estimamos receber cerca de 160.000 passageiros, em cerca de 130 navios.
A atividade é muito benéfica para as cidades envolventes, mas pode trazer alguns desafios no caso de destinos saturados pela densidade da procura.
Os benefícios para a região são, fundamentalmente, benefícios primários ou secundários. Os primários dizem respeito à despesa efetuada diretamente pela procura turística, enquanto os benefícios secundários estão associados ao efeito multiplicador do turismo e englobam benefícios, indiretos e induzidos nas restantes áreas económicas da região norte.
Outro dos aspetos positivos é a probabilidade de um passageiro de cruzeiros regressar ao destino como turista convencional. Muitos dos nossos visitantes referem que uma das suas motivações ao participarem em cruzeiros é explorar locais, aos quais, pela sua satisfação, possam regressar, futuramente, como turistas convencionais.
Contêineres no Terminal Ferroviário de Mercadorias do Porto de Leixões. (Fonte: APDL).
Daí a importância do planeamento que o porto promove com o destino e, em particular com as cidades de Matosinhos, Porto e Gaia, para que, durante a permanência no porto, os visitantes tenham uma perceção positiva da região para que manifestem vontade de regressar e, mais ainda, de recomendar o destino ao seu círculo de amigos e familiares, contribuindo, desta forma, para o crescimento do Turismo genérico de nível socioeconómico elevado.
IMAGEM INICIAL | Vista panorâmica do Porto de Leixões. (Fonte: APDL).