The port of Viana do Castelo across the ages

9 Luglio, 2022

O porto de Viana do Castelo através dos tempos

O rio e o mar sempre se revelaram importantes em diferentes momentos da história de Viana do Castelo. Desde muito cedo que assim foi! Se recuarmos a 1258, este facto surge bem demonstrado quando D. Afonso III outorga foral a esta povoação como distinção pela sua significativa vida marítima: “…quero fazer uma póvoa, no lugar chamado Átrio, na foz do Lima, à qual de novo imponho o nome de Viana”.

Viana, apesar de ter nascido ligada a um interior pobre, a abertura ao mar permitiu-lhe ser um ponto de chegada de mercadorias do norte da Europa, da Galiza e da Biscaia exportando peixe, sal, vinhos e cereais. A vocação marítima de Viana reside assim na experiência bem demostrada pelo movimento mercantil e pelo crescente envolvimento em viagens no alto mar, sendo, por exemplo, muitos dos galeotes que remavam nas galés da coroa, ao tempo de D. Afonso V, recrutados em Viana.

Galeão do séc. XVI da ombreira de uma casa manuelina (Museu Municipal).

A privilegiada acessibilidade fluvial e marítima, vai contribuir para o desenvolvimento de uma significativa comunidade piscatória e Viana vai transformar-se num entreposto comercial à escala atlântica. Foi na época da Expansão Marítima que Viana “nascida junto do Atlântico, embalada pelo murmúrio das suas ondas apressadas e turbulentas, tornou-se nesta altura a expressão e retrato de vitalidade e vigor da economia surgida dos Descobrimentos: aberta, mundial, dialogante, cada vez mais apoiada na ciência e ao serviço da humanidade” (Moreira, 1987, p.76) em que os vianenses se tornaram um dos principais intérpretes. Neste período quinhentista, o porto de Viana constituiu assim uma poderosa e eficiente rampa de lançamento de navegações para o noroeste atlântico. Ao tempo de D. João I, Viana assistiu a uma abertura do porto a embarcações de maior calado e à consequente construção do Cais da Alfândega, sendo uma infraestrutura importante para o desenvolvimento do comércio marítimo. Com o crescimento comercial do porto de Viana, muitos foram os estrangeiros que por aqui passaram, vindos de vários pontos da Inglaterra e da Irlanda, deixando-se atrair pelo comércio do bacalhau, do açúcar e de outros produtos, constituindo famílias ou nomeando procuradores. O enriquecimento da população criou em Viana um importante mercado de bacalhau, que face ao seu exponente crescimento levou a que os próprios vianenses e alguns ingleses passassem, a partir do século XVI, a pescar nos bancos da Terra Nova e da Gronelândia. O interesse pela pesca do bacalhau foi muito grande originando na década de vinte do século XVI operações comerciais de tal dimensão que atestam bem um enraizamento significativo nos hábitos alimentares das populações.

No século XVI o porto de Viana vive um momento de grande vitalidade económica e a sua frota aumenta significativamente, transformando-o numa porta de saída para o Novo Mundo. Nesta altura, a póvoa de Viana apresentava-se com uma fortíssima atividade mercantil e o sucesso das navegações levaram a que se produzisse alterações no tecido social. “A expansão vianense, pela navegação e pelo comércio, trouxe à vila portuária um engrandecimento que deixou as suas marcas no tipo de arquitetura, nas solicitações permanentes da construção naval, na ostentação e poder social dos mercadores e mareantes” (Pereira, 1995, p.14). É precisamente neste período, face à preponderante ação dos mercadores e dos mareantes voltados para a navegação e comércio transatlânticos que Viana alcança o auge da sua opulência. Mercadores, mareantes e pescadores estavam bem organizados a ponto de fundarem, em princípio do século XVI (1506), a Confraria do nome de Jesus Mareantes. No que diz respeito ao porto de Viana existem dois documentos de extrema importância. O primeiro diz respeito à doação da dízima das pescas ao Marquês de Vila Real, e o outro é constituído pelo Livro das Sisas da Câmara de Viana de 1566 e 1567. No fundo, um testemunha a antiguidade da faina bacalhoeira em Viana, o outro, a sua expressão numérica e organizativa (Arquivo Municipal de Viana do Castelo, 1596 – 1602).

No início de quinhentos, com o vianense João Álvares Fagundes, assistiu-se “às primeiras tentativas, a breve trecho frustradas, de um fluxo de transporte de pescarias de Terra Nova, a terra dos bacalhaus que será um dos rumos da navegação de longo curso, a partir de Viana, reatada com maior significado em fins da década de 30” (Pereira, 1995, p.16-17) do século XX. De salientar ainda que “João Álvares Fagundes representa, dentro da história dos Descobrimentos Portugueses, o derradeiro esforço, realizado sob os auspícios da Coroa, para dominar uma região rica em potencialidades económicas, mas também, possivelmente, propícia para as ligações diretas e rápidas com o Pacífico. Ao relativo insucesso das viagens dos irmãos Cortes-Reais contrapôs D. Manuel I as navegações de Fagundes” (Moreira, 1987, p. 76).

Navegador João Álvares Fagundes (1460-1522).

Mas não era só de mercadores e de mareantes que a Viana marinheira se compunha, dado que aqui também se traçavam as embarcações e as construíam, permitindo a segurança da navegação e condicionamento adequado das mercadorias: “A azáfama na construção dos navios junto ao convento de S. Bento perturbava o desejável recolhimento das freiras que, em 1610, pedem ao rei que as livre do barulho da carpintaria e do cheiro da calafetagem. Noutros locais se construíram embarcações, testemunho de uma atividade que tem ocupado Viana, desde sempre, e que vem até aos nossos dias, como o prova a capacidade tecnológica dos atuais Estaleiros Navais, a empresa de maior significado económico no distrito de Viana do Castelo” (Moreira, 1987, p. 16).

No princípio do século XVII Viana teria “setenta navios no mar e a parecer uma nova Lisboa”.

Nos séculos XVII e XVIII somos confrontados com um aumento das relações comerciais atlânticas sobretudo com o Norte da Europa e as colónias do Império, obrigando à construção de novos cais e docas na barra do rio Lima.

Chegados ao século XX, assistimos, tal como no passado, às questões fulcrais para o desenvolvimento de Viana do Castelo na sua ligação ao mar: o porto de mar enquanto porta de saída e de entrada; a construção da linha férrea, com ramal de ligação à doca comercial; a fundação da Empresa de Pesca de Viana, dedicada à pesca do bacalhau, pesca que tanto enobreceu a cidade e influenciou o seu urbanismo; os Estaleiros Navais com “uma presença significativa no mundo da construção naval, não obstante os desafios permanentes da concorrência, da inovação tecnológica e de conjunturas nem sempre favoráveis” (Pereira, 1995, p. 18-19), “docas, molhes, cais e a Empresa com seus armazéns, escritórios, prédios vários e a tão característica Seca do Bacalhau (Darque) fizeram no seu tempo e lugar a animação e o quotidiano do Porto de Viana do Castelo” (Baptista, 1995, p. 67).

Doca comercial em 1912 (reprodução de antigo postal).

A história de Viana do Castelo está intimamente ligada à construção naval. Daqui saíram os navegadores e os descobridores, mas também os pescadores e os armadores. E de Viana do Castelo saíram diferentes tipos de navios que, durante décadas, fizeram desta região uma referência nacional e internacional.

A construção de novas embarcações sempre foi a principal atividade dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, sendo os dois primeiros navios aí construídos, “Senhor dos Mareantes” e “Senhora das Candeias”, destinados à Empresa de Pesca de Viana, e um terceiro, “São Gonçalinho”, à Empresa de Pesca de Aveiro que, como se depreende, estiveram na génese dos próprios Estaleiros. Esses três primeiros navios construídos ao mesmo tempo nos Estaleiros Navais, destinados à pesca do bacalhau, foram entregues em 1948, quatro anos após a sua fundação. Por sua vez, a construção n.º 15 realizada nos Estaleiros Navais foi o Navio-Hospital “Gil Eannes” [1] constituindo hoje um marco desta primeira fase de construções destinadas à pesca do bacalhau. Lançado à água em 1955, teve como missão apoiar a frota bacalhoeira nos mares da Terra Nova e da Gronelândia e, embora a sua função fosse prestar assistência hospitalar a pescadores e tripulantes, o “Gil Eannes” foi também navio capitania, navio correio, navio rebocador e quebra-gelos, garantindo abastecimento de mantimentos, redes, isco e combustível aos navios da pesca do bacalhau. Das mais de duas centenas de construções, há a referir os países de destino como Portugal, Alemanha, ex-URSS, Polónia, Holanda, França, Islândia, Noruega, Itália, Brasil, Finlândia e USA, entre outros.

Viana do Castelo moderniza-se hoje mantendo uma secular ligação ao mar. O seu porto surge mais ativo no contexto internacional e nacional pesando nos seus responsáveis um passado – embora já distante – de grande dinamismo comercial e económico.


IMAGEM INICIAL | Cais da dízima no Porto de Viana (séc. XVII).


Nota

[1] Depois de desativado, em 1984, veio para Viana do Castelo, sendo recuperado para fins museológicos para se tornar memória viva do passado marítimo e da construção naval na cidade.


Referências

A.M.V.C., Livro de Registos de 1596 a 1602, fols. 218-237.

Baptista, I. (1995). O Porto de Viana na história da Pesca do Bacalhau, in Viana e o Mar. Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

 Moreira, M. A. F. (1987). O Porto de Viana do Castelo e as Navegações para o Noroeste Atlântico, in Viana – o Mar e o Porto. Junta Autónoma dos Portos do Norte.

Pereira, J. E.(1995). A vocação marítima de Viana, in Viana e o Mar. Grupo Desportivo e Cultural dos Trabalhadores dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.



Article reference for citation:

FARIA VIANA, Rui Alberto. “O porto de Viana do Castelo através dos tempos”. PORTUS | Port-city relationship and Urban Waterfront Redevelopment, 43 (July 2022). RETE Publisher, Venice. ISSN 2282-5789.
URL: https://portusonline.org/the-port-of-viana-do-castelo-across-the-ages/

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