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Porto de Santos e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): A evolução da sustentabilidade no encontro entre o porto e a cidade
Introdução
Conhecido por ser o maior porto da América Latina (CEPAL, 2025), o porto de Santos é responsável por aproximadamente 30% do PIB (produto interno bruto) do Brasil, sendo fundamental para a economia do país, para o Estado de São Paulo, e para a Baixada Santista, região que conta atualmente com 09 municípios (Bertioga, Cubatão, Guarujá, Santos, São Vicente, Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém e Peruíbe).
Sua inauguração oficial, com a construção dos primeiros metros de cais (chamados de “porto organizado”, termo consolidado pelo Decreto 2.447/1934 e presente até hoje na atual Lei dos Portos – [1], ocorreu no ano de 1892. Porém, desde 1808, quando a Corte Portuguesa transferiu sua sede para o Brasil, os portos brasileiros foram abertos para o comércio internacional com as nações amigas de Portugal, fato inédito para aquele momento, em que os portos das colônias somente transferiam seus ativos para os seus países colonizadores.
Desde que o fundador da cidade de Santos, Bráz Cubas, resolveu trazer o porto da antiga boca da barra (atual Ponta da Praia) para as águas estuarinas e abrigadas entre as ilhas de São Vicente (margem direita) e Santo Amaro (margem esquerda), muitas mudanças ocorreram, a ponto de muitos se questionarem: a cidade surge a partir do porto ou o porto a partir da cidade? A exemplo de outras cidades portuárias no Brasil e do mundo, o porto se encontra com a cidade até os dias de hoje, a ponto de prédios residenciais se encontrarem com os terminais portuários localizados na entrada do estuário, no bairro da Ponta da Praia em Santos.
Por outro lado, a relação entre o porto e a cidade de Santos também foi e ainda é pautada por conflitos no que diz respeito à qualidade ambiental, à saúde pública e aos desafios impostos, cada vez mais, pelas mudanças e desastres climáticos. Mas, antes de chegarmos nos dias atuais, é preciso recordar que o porto já lidava com questões sensíveis quanto à qualidade ambiental, como as epidemias de cólera no Brasil, em parte resultado da água de lastro contaminada e da ausência de sistemas de tratamento de esgoto na cidade de Santos. Já nos anos 1980, os graves danos ambientais causados pelo polo petroquímico da cidade de Cubatão (considerada a mais poluída do Brasil e vizinha a Santos por terra e pelos rios que desembocam no estuário portuário), teve como uma de suas consequências, a criação da primeira legislação ambiental brasileira em nível federal: A Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 8.630/1981).
Consequência direta da Declaração de Estocolmo (1972) e da Comissão e do Relatório Nosso Futuro Comum, conhecido também como Relatório Brundtland (1983 – 1987), a Política Nacional do Meio Ambiente passa a se estruturar em torno da preocupação dos líderes mundiais em desenvolver os países economicamente, sem deixar de lado a preocupação com a preservação dos recursos naturais (finitos e escassos) e as demandas sociais das populações.
Por outro lado, com um olhar quase sempre que pautado no crescimento econômico, o setor portuário brasileiro, e especificamente, o porto de Santos, passou por mudanças significativas, seja pelos regimes políticos, seja por um novo cenário internacional no qual floresce a globalização. Nestes últimos 50 anos, o fato é que o setor portuário brasileiro teve de se adaptar a uma nova realidade no cumprimento de padrões de qualidade ambiental que se converteu de uma mera obrigação de cumprimentos de normas ambientais locais, para obrigações públicas e privadas em esferas diversas em prol da sustentabilidade e de compromissos internacionais assumidos por diferentes atores, como o movimento ESG (Environmental, Social and Governance).
Da Declaração do Rio aos ODS
A busca pela implementação de novos padrões de sustentabilidade ambiental no setor portuário e da navegação passa por processos diversos e multidisciplinares, com o amadurecimento não somente das normas e políticas internacionais, mas também dos gestores atuantes no setor e de todos os atores públicos e privados.
Por isso, ao falar dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e do envolvimento dos Estados e setores privados para a sua implementação (compromissos voluntários que passam a se tornam compulsórios), não se pode olvidar suas origens. A Declaração do Rio (Rio 92) é o pontapé inicial e peça chave para as demais “convenções guarda-chuva” relacionadas à proteção e preservação do ambiente, à exemplo da a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que definiu compromissos e obrigações para as chamadas partes (países integrantes da convenção). Tais compromissos assumidos tiveram o condão de, a partir do mecanismo de cooperação internacional, implementar metas a serem alcançadas partindo de constatações científicas e novos padrões ambientais em todos os setores produtivos, não se limitando somente ao Poder Público, pelo contrário.
Avançando para os anos 2000, os países membros da ONU propuseram os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecendo metas para o período entre 2000 e 2015:
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). (Fonte: ONU).

Entretanto, em 2015, como consequência da Rio + 20, surgiram os ODS, um plano de ação com 17 objetivos globais para serem cumpridos até o ano de 2030, a fim de que todos os países cresçam e cooperem nessa agenda de sustentabilidade. Com maior abrangência, surgem como uma resposta e continuidade aos ODM, propondo metas a serem alcançadas por meio da chamada Agenda 2030:
Com um total de 17 eixos temáticos com metas definidas, fica evidente que questões com as mudanças do clima, a proteção dos oceanos, a economia circular, a transição energética e o desenvolvimento sustentável das cidades passam a ser prioridades, demandando ações integradas por governos e organizações privadas.
No caso do setor portuário e da navegação, corroboram ainda a Década dos Oceanos da ONU (2021-2030), novas resoluções aprovadas pela Organização Marítima Internacional (IMO) e o fortalecimento de associações como o IAPH e PIANC, que passaram a pautar a implementação de medidas até então impensáveis para o setor portuário brasileiro.

Os 17 objetivos globais para serem cumpridos até o ano de 2030.
O encontro do porto de Santos com a cidade e com a sustentabilidade. Oportunidades e desafios
Na esteira da evolução da sustentabilidade a partir de normas voluntárias e compulsórias aplicadas aos setores públicos e privados, os portos brasileiros passaram a ser demandados por seus investidores e Poder Público local e central. Com o porto de Santos não foi diferente, e, sendo o maior porto da América Latina, os conflitos relacionados à demanda pela internalização dos parâmetros de qualidade ambiental passaram a ser visíveis nos últimos anos, assim como os conflitos na relação porto-cidade.
Com o aumento dos limites da cidade com o porto pela expansão da cidade e do mercado imobiliário, questões relacionadas à qualidade de ar, impacto nos ecossistemas, áreas contaminadas e o aumento dos impactos relacionados às mudanças climáticas passaram a ser pauta entre Autoridade Portuária e representantes do poder local. Um dos exemplos da intensificação do conflito foram leis aprovadas pelo município de Santos proibindo a circulação de caminhões com grãos e, posteriormente, a circulação de cargas vivas nos limites da cidade. A primeira lei foi derrubada pela Suprema Corte do país em uma ação proposta pelo Poder Público Federal (mas que deu início a um novo movimento em prol da melhoria da qualidade do ar no Porto de Santos). A segunda, permanece em vigor, proibindo a circulação de caminhões com bois para finalidade de embarque na área urbana do município.
A partir de lições aprendidas e pressão de atores externos e autoridades regulatórias ambientais, a sustentabilidade no setor portuário passa por processos diversos e multidisciplinares. Um dos exemplos são a Agenda Ambiental e de Segurança (2015) e o IDA (2012) – Índice de Desempenho Ambiental da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários [2]. Agência reguladora integrante do poder executivo federal, sua atuação como entidade fiscalizadora a partir de mecanismos de governança passaram por uma grande evolução, colaborando de forma decisiva para melhoras práticas ambientais no setor portuário brasileiro.

Imagens do M/V Nada. Após uma semana atracado aguardando decisão das autoridades, o navio deixou o Porto de Santos após comprovação de medidas relacionadas ao bem estar e manejo dos animais, deixando um rastro de mau-cheiro na cidade de Santos e aprendizados futuros para os terminais e o poder público. (Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/stf-derruba-lei-que-proibe-transporte-de-animais-vivos-no-porto-de-santos.shtml/).
No caso do Porto de Santos, há de se destacar, na esteira da evolução dos ODS, uma melhoria gradativa, seja a partir da obtenção de suas licenças ambientais (procedimento que demorou 13 anos junto ao órgão ambiental federal) e do cumprimento de metas solicitados pelos órgãos governamentais (a exemplo do IDA da ANTAQ), seja a partir de uma integração gradativa com a comunidade portuária e com os terminais arrendatários e portos privados por meio, inicialmente, dos planos de contingência. Como exemplos: o PAM (Plano de Ajuda Mútua) do Porto de Santos, o PAPS (Plano de Área do Porto de Santos) o PEI (Planos de Emergência Individual) e a implementação das auditorias compulsórias e voluntárias para melhor fiscalização de conformidades ambientais e sociais.
Mas de fato, é após a pandemia de COVID-19 que, com a finalidade de busca pela consolidação dos ODS, o fortalecimento do movimento de boas práticas ambientais e de governança junto ao mercado financeiro e investidores privados passou a ser prioridade em todo o mundo, e com o porto de Santos não está sendo diferente. Tanto que, recentemente, no ano de 2025, a Autoridade Portuária de Santos não só divulgou o primeiro relatório integrado de uma autoridade portuária pública do Brasil, assumindo compromissos com as boas práticas ESG, como também passou a ser signatário do Pacto pela Sustentabilidade do Ministério dos Portos e Aeroportos.
Antes disso, a APS já havia iniciado movimentos importantes como o Manifesto ESG, pacto assinado pelas empresas atuantes no porto de Santos, a partir de capacitações e seminários, unindo universidades, poder público e setor privado.
Outro ponto que demonstra a melhoria do processo de integração entre o porto e cidade é a criação, recentemente, de um Departamento de Política dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável junto à Prefeitura de Santos que visa, junto com a Secretaria de Assuntos Portuários do Município, colaborar para que as políticas de integração com a comunidade portuária ocorram a partir de discussões pautadas na colaboração entre os entes federativos.
A pauta da descarbonização, sendo premissa de um dos ODS (ODS 13 – Mudança do Clima) e ponto crucial da melhoria da qualidade das cidades portuárias, também vem sendo trabalhada atualmente pela APS, que conta, assim como outros portos brasileiros, com a intenção e planos de implementar não somente energias renováveis como matriz principal, mas efetivar as ações por meio de sistemas como o OPS (Onshore Power Supply), visando, inclusive, atender à demanda dos novos parâmetros aprovados pela Organização Marítima Internacional (IMO) rumo as metas de carbono zero (net zero) até 2050 (Anexo VI da Convenção MARPOL).
Ainda há desafios sensíveis a serem enfrentados rumo ao cumprimento de todas as metas previstas nos ODS pelo porto de Santos. A eliminação da pobreza, as questões dos impactos sobre a biodiversidade ecológica e os ecossistemas como os manguezais, os conflitos sobre a atividade pesqueira, e a proteção do patrimônio cultural subaquático ainda são temáticas que necessitam de atenção. O que não se pode negar é a melhoria contínua da qualidade ambiental do porto de Santos como resultado não somente de leis e normas ambientais, mas de uma nova visão de mercado e de esforços somados de todos os atores, públicos e privados, sob a perspectiva de uma gestão integrada.
IMAGEM INICIAL | Terminais de grãos e edifícios residenciais fazem parte da paisagem do porto de Santos. (Fonte: Autoridade Portuária de Santos – APS, 2025).
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NOTAS
[1] A Lei 12.815/2023 (Lei dos Portos) dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.
[2] Prevista na Lei 10.233/2001 o Índice de Desempenho Ambiental está disponível no sítio eletrônico da ANTAQ – https://www.gov.br/antaq/pt-br/assuntos/sustentabilidade/indice-de-desempenho-ambiental-ida-1/.